Georges Rodenbach, em “Bruges-a-morta” (Sistema Solar): A dor como religião.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=661909
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Ver a vida com olhos de morto. É esta a perspectiva de Georges Rodenbach perante os infortúnios de Hugues Viane, o personagem principal.
Pouco tempo após a morte de sua mulher, o inconsolável Hugues Viane decide instalar-se na cidade de Bruges. Ele precisava de “silêncio infinito e de uma existência tão monótona que deixasse, quase, de dar-lhe a sensação de viver” Pág. 23
Os seus passos são guiados pela destruição que existe em si. Durante o dia, Hugues mantem-se isolado, em casa, sem vontade de procurar qualquer solução para o mal de que padece. Chegada a noite, ele sai e caminha por canais solitários, bairros de ruas vazias e gente recolhida em casa. Bruges, a morta, é a cidade que espelha o interior de Hugues. A caracterização do local e das pessoas sofre o fenómeno de projecção do estado de espírito do personagem. Ali ele sente que o lugar está em comunhão consigo, pois para ele “Bruges era a sua morta. E a sua morte era Bruges” pág. 24

A cidade começou a rejeitá-lo. Hugues, até ali visto como um exemplo de sobriedade, começa a ser alvo de escárnio. A honesta castidade dera lugar a uma dor de plástico.
A aproximação a uma figura feminina implica um afastamento do personagem da cidade de Bruges, que fora o motivo da sua mudança. Quando ele se afasta de Jane, volta a projectar as suas condições emocionais na cidade. São variáveis do mesmo assunto: a obsessiva projecção de uma necessidade.
A peregrinação de Hugues anuncia um fim trágico. O leitor contempla a inevitabilidade da desgraça.
O escritor simbolista faz de Bruges, cidade outrora importante como entreposto comercial, muito mais do que um contexto para determinado enredo. O minimalismo da história permite ao autor desenvolver a relação metafórica entre local e personagens. O ambiente citadino é essencial no jogo de simbolos, na criação de contraste entre ambientes abertos e fechados, emoções e objectos, real e irreal, explícito e implícito, silêncio e som.
“Bruges-a-morta” (tradução e apresentação de Aníbal Fernandes) é um exemplo do que o simbolismo pode ser, quando entregue a esta qualidade: sugestivo, cativante e sedutor.
Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com