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Ler Platão é ler parte essencial da formação do pensamento ocidental. A sua obra perdura e influencia a realidade das civilizações ocidentais há cerca de 2400 anos.
Platão é um eterno contemporâneo.

“O Político” (Temas e Debates) é uma obra importante na demonstração da filosofia de Platão (427 ou 428 a.C. - 347 ou 348 a.C.), embora não tenha a preponderância de “A República” ou, numa outra fase, de “Górgias”.
Enriquecido por uma pedagógica introdução de Carmen Isabel Leal Soares, que também assume a tradução e notas, “O Político” situa-se diacronicamente na obra do filósofo grego entre “A República” e “As Leis”, não havendo uma data precisa para a sua primeira edição.
Tanto “As Leis”, considerada a obra derradeira do autor, como “O Político” são contextualizados pela terceira e última fase da produção literária de Platão.
É comummente aceite que esta fase é composta por “O Sofista”, “O Político”, “Filebo”, “Timeu”, “Crítias” e “As Leis”.
Adverte Carmen Isabel Soares que o substantivo “Politikos”, que está contemporaneamente presente no substantivo “Político”, “não corresponde exactamente ao conceito moderno”.
Nesta obra, Platão, através da proposta de Teodoro a o Estrangeiro e a Sócrates, o moço (não confundir com Sócrates, o filósofo), propõe fazer o retrato completo do Homem Político.
Ainda segundo Carmen Isabel Soares, “Estamos, pois, perante um tratado metodológico, que ensina a arte de filosofar”.
O Estrangeiro (relacionado com ser desconhecido em casa onde se discute e não com o aspecto geográfico) procura ensinar ao seu discípulo Sócrates, o moço, a função de três utensílios filosóficos na prática da dialéctica. São eles “a divisão ou diérese, a invenção e interpretação de mitos e os paradigmas funcionais”.
O pensamento platónico vai sendo demonstrado através do dinamismo dialéctico imposto pelos intervenientes. A sistematização do pensamento passa pela relação entre o homem político e as diversas e mútuas influências. Refiro-me ao mito, à constituição do poder, ao bom e à virtude.
Os exemplos de “bom” e de “virtude” são abordados em “O Político”, mas a dado ponto o diálogo não aprofunda e assume outra direcção. O aprofundamento acontece mais em “Górgias”, onde Platão filosofa sobre a desejável ligação entre a arte da Retórica e a Bondade.
Górgias afirma, a certo ponto da sua exposição, que a Retórica deve ser usada como todas as armas de competição. “Lá porque se aprendeu o pugilato, o pancrácio e o combate com as armas de modo a poder vencer amigos e inimigos, não se vai agora fazer uso disso contra toda a gente, a ponto de ferir, trespassar, ou matar os próprios amigos” (em “Górgias”).
O homem político deve, assim, usar o seu poder retórico para alcançar o bem comum e não em proveito próprio.
O Bem, para Platão, é a finalidade da vida, objectivo supremo. Dele depende o conhecimento. É a causa criadora que sustenta o mundo. É objectivo da Dialéctica o apreender a essência de todos seres e substâncias; o ser capaz de distinguir a natureza ideal do Bem, isolando-a de todas as outras coisas.
Na dialéctica platónica, O uso dessa “arma” fundamental é sublinhado, em alguns momentos, pela ironia (ignorância simulada). Em “A República”, livro anterior a “O Político” e pertencente a os quatro grandes mitos escatológicos (Górgias, Fédon, República e Fedro), Trasímaco diagnostica diversas vezes essa ignorância simulada usada por Platão na voz de Sócrates.
Será comparando “O Político” com, precisamente, “A República”, situada na já mencionada terceira fase da produção literária-filosófica do autor, que poderemos perceber as mudanças no pensamento do filósofo grego.
A evolução filosófica de Platão durante o período a começar em “A República”, passando por “O Político”, até chegar a “As Leis”, leva autores como Julia Annas ou Carmen Isabel Soares a denotar a mudança de uma antidemocracia em Platão para a aceitação da democracia como forma de governar os cidadãos.
O ideal “homem pastor”, de “A República”, é derrotado pela consciencialização histórica da sua falibilidade.

Abordar o homem político como homem nobre parece algo distante do pensamento contemporâneo. A retórica ganhou um sentido pejorativo, pois com ela vem, agora, a mentira e a camuflagem da acção.
A lucidez de Platão ilumina o que a mediocridade vem embutindo como normal na nossa realidade; ilumina para eliminar.
 A política é um acto nobre quando vinculado ao conceito de Bem e de Virtude. A Retórica é uma “arma” que deve ser utilizada com parcimónia e sujeita ao cumprimento do bem comum.
A reedição de textos canónicos como os de “O Político”, enriquecida com a qualidade informativa e pedagógica da introdução de Carmen Leal Soares, são sempre de louvar e de (re) ler.
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 14:49

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