20
Set 13
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Cavar fundo para encontrar a maldade.

“Pássaros Amarelos” (Bertrand), vencedor dos prémios “PEN/Hemingway” e do “Guardian First Book”, é um consciente exercício catártico.
Kevin Powers (n. 1980; Richmond, Virgínia) serviu no Iraque (Mossul e Tal Afar) entre 2004 e 2005, como operador de metralhadora. Regressou à sua terra natal com muito para contar.
O biografismo é evidente. Powers usa as suas experiências de guerra na construção da narrativa. E utiliza-as de forma equilibrada, optimizando os pontos dramáticos num texto reflexivo e reflectido.
Já nos EUA, depois da guerra, o personagem Bartle recorda as atrocidades que mataram centenas de soldados e que viriam a transformá-lo num indivíduo inadaptado. Os principais inimigos são a memória e a consciência. Ele saiu da guerra, mas a guerra não saiu dele. O inferno, ou pelo menos a consciência do inferno, começa quando Bartle tem tempo para pensar e recordar. Até então, existira sobrevivência, morte, putrefacção e incompreensão.
Murphy, companheiro de armas, é presença essencial no inferno de Bartle.
O autor intercala, na narração, o tempo em que cumpre serviço militar e o período em que se encontra no seu país (antes de se alistar e após Al Tafar)
Em Al Tafar, Bartle combate numa guerra que vai, paulatinamente, destruindo-o. A morte é um ritual quotidiano.

“Percorríamos vielas. Víamos os inimigos que restavam onde estes se encontravam emboscados, afastávamo-los das armas com as botas. Rígidos e pestilentos, os cadáveres inchavam ao sol. Alguns encontravam-se em posições estranhas, com as costas curvadas ligeiramente afastadas do solo e outros estavam torcidos formando ângulos absurdos, com a sua decomposição a repercutir qualquer geometria mórbida” Pág. 120
Para sobreviver, o soldado segue as ordens; não as discute. A primeira vítima é o livre arbítrio. A opinião é destruída em benefício da disciplina militar. Ele e Murphy são obrigados a encontrar o pior deles próprios para saírem vivos de uma guerra que não escolhe vítimas.
Só têm de cavar fundo e de encontrar a maldade dentro de vocês” Pág. 46
Matar e não morrer. Só isso interessa.
Em “Pássaros Amarelos”, Bartle tenta reconstruir-se emocionalmente, exorcizando os seus demónios. O leitor está perante a visão subjectiva de um soldado que o aproxima do inferno da guerra mais mediatizada da História
A guerra no Iraque não serve de motivo para uma aventura para entreter leitores. O autor vai muito mais longe.
Não é caso invulgar quando a Literatura serve de instrumento de reflexão sobre a história pessoal e/ou colectiva, mas só um país com muita maturidade consegue olhar para as suas feridas quando elas ainda estão tão abertas.
Na sua estreia literária, Kevin Powers, autor e soldado, toca onde mais dói.

Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com




publicado por oplanetalivro às 08:48

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