12
Jan 14

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=677642


A alquimia de David Foster Wallace.

David Foster Wallace (1962-2008; n.Nova Iorque) é um alquimista. A sua capacidade em transformar um tema monótono e desprovido de interesse num texto hilariante e entusiasmante caracteriza-o como um escritor raro.
O conjunto de temas em “Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer” (Quetzal) seria banal (um cruzeiro de luxo, um festival de lagosta, o discurso televisivo…), se não houvesse um elemento comum a todos eles: David Foster Wallace (DFW).
O autor norte-americano consegue extrair o mais valioso das situações mais enfadonhas e melindrosas. A sua prosa motiva o leitor a adoptar pontos de análise diferentes para poder aceder ao insólito. O absurdo é capturado e desmantelado para gáudio do leitor. E o autor diverte-se com isso.
Os textos, publicados entre 1992 e 2005 em diversas revistas e jornais, têm características formais ímpares. A miscigenação de géneros é enriquecida com extensas notas de rodapé.
O leitor acompanha o raciocínio do autor sobre o voyeurismo ou os esgotos da casa de banho; a “falta de pau” dos actores porno ou a complexidade psíquica de David Lynch; a arte no ténis de Federer ou a (in) capacidade da lagosta em sentir dor quando está a ser cozida.
Essa dimensão transversal do discurso também é assinalado no (menos conseguido) ensaio “A vista da casa da senhora Thompson”. Perante o “Horror”, assim é denominado o 11 de Setembro, o autor aponta no discurso de George W Bush “a sensação de que algumas das coisas que diz são quase idênticas, a roçar o plágio, às proferidas há uns anos por Bruce Willis (no papel de um maluquinho de extrema-direita, não se esqueçam) em Estado de Sítio. (…) Não há aqui, nem de perto nem de longe, ninguém suficientemente sofisticado para apresentar a doentia e óbvia queixa pós-moderna: «Já vimos isto.» Pág. 389
Em “Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer”, texto que denomina o livro, a propósito de um ensaio do escritor Conroy sobre os cruzeiros de luxo, Foster Wallace delineia as bases do ensaio, tanto no geral como em particular. Conroy foi pago pela Celebrity Cruises por esse texto. Não foi o caso de Foster Wallace, viajante incógnito.
“ (...) a Celebrity Cruises está a apresentar a resenha de Conroy acerca do cruzeiro 7NC que fez como ensaio e não como texto publicitário. Isso é terrivelmente mau. Quer as honre bem quer não, as obrigações fundamentais de um ensaio devem ser para com o leitor. O leitor, mesmo que a um nível inconsciente, compreende isso e portanto tende a abordar um ensaio com um nível relativamente alto de credulidade. Mas um texto publicitário é um animal muito diferente.”pág. 47
Esta é a sua postura sobre o ensaio e a reportagem em oposição ao texto publicitário e é esta mesma postura que percorre a construção do tão conhecido texto “Pensem na Lagosta”.
No grande festival da lagosta, onde esta é cozinhada de 1001 formas, o leitor tem acesso ao folclórico inerente a qualquer festival e também aos bastidores, aos assuntos menos debatidos ou desenvolvidos pelos participantes.
A problemática da consciência e da necessidade de espectáculo, já demonstrada no texto “Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer”, continua presente.
Num texto pleno de ironia, é debatido o sofrimento imposto à lagosta. Cozer em água a ferver é menos doloroso do que no microondas? Dar uma facada na cabeça antes de a cozer é ser piedoso? Arrancar as patas da lagosta para esta não tentar, em aflição, escalar a panela é tortura?
Estranhamente, tudo faz sentido.
A “sociedade do espectáculo” é analisada nas suas diversas vertentes. A raiz será a mesma. Em textos como “E Unibus Pluram: a televisão e a ficção americana” e “O grande filho vermelho” a pornografia e diversos programas televisivos são sintomas da necessidade do ser humano em observar sem ser observado. Nestes dois ensaios é abordada a influência do discurso televisivo tanto no quotidiano, onde cada americano vê 6 horas, em média, de televisão, como na forma e no conteúdo da literatura norte-americana. De forma bem fundamentada, Foster Wallace demonstra a partilha do papel de voyeur entre telespectador e escritor.
As diferenças estão, essencialmente, em quem é observado. Quando na televisão, os observados efectuam uma performance de acordo com as expectativas dos telespectadores. A relação com o expectável chega a um nível em que a própria TV, numa estratégia de auto-referencialidade, aproveita o voyeurismo para iniciar uma textualidade em que ela própria é tema. As personagens, na TV, comportam-se como a indústria pensa que se devem comportar.
Em comparação, o escritor tem acesso a uma maior naturalidade, pois o observado não tem noção de existir alguém a observá-lo. Resta saber até que ponto a artificialidade da TV influencia hábitos de conduta.
Estes dois textos partilham com “Uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer” assuntos como a necessidade de entretenimento, distracção, e de fuga a uma realidade pouco atraente. As companhias turísticas não vendem viagens, nem a indústria de filmes pornográficos vende filmes. Ambas vendem fantasias.
Já em “David Lynch não perde a cabeça”, a perspectiva de Foster Wallace incide sobre as influências de autores como DeLillo no cinema de David Lynch, na capacidade do cineasta em romper com a narrativa linear e lógica, na obsessão do realizador em demonstrar, nos filmes, a coabitação entre o mal e o bem em cada indivíduo. É um outro tipo de discurso, em que o tangível é subordinado a conceitos morais.
“Lynch não está interessado em transferências de responsabilidade nem está interessado em fazer juízos morais das personagens. Pelo contrário, está interessado nos espaços psíquicos em que as pessoas são capazes do mal. Está interessado na Escuridão. E a Escuridão, nos filmes de David Lynch, tem sempre mais do que uma cara.” Pág. 278
A necessidade de evasão, a incontrolada projecção e fantasia continua a ser diagnosticada em “Como Tracy Austin me partiu o coração”.
“Os grandes atletas são profundidade em movimento. Permitem que abstracções como poder, elegância e controlo não só ganhem corpo como possam ser transmitidas pela televisão. Ser um atleta de elite, em ação, é ser aquele requintado híbrido de animal e anjo que nós, espectadores banais e nada lindos, temos tanta dificuldade em ver dentro de nós próprios.”
Pág. 393
Mas mais do que assistir, o público necessita de conhecer a privacidade desses heróis modernos. As autobiografias vieram preencher esse espaço. No entanto, nunca estão à altura das expectativas dos leitores, pois a mitologia não tolera a sua desmistificação.
O poder das redes sociais, que veio baralhar o conceito de privacidade, ainda não se fazia exercer no tempo de DFW. De qualquer forma, as redes são ferramentas; DFW aponta para a motivação na utilização dessas ferramentas de descodificação/codificação da privacidade.
Continuam a existir pontos de contacto com ensaios anteriores: a questão do voyeurismo e a contaminação de discursos entre o que se realidade expectável e realidade factual.
Além da “predilecção pelos mesmíssimos clichés com que nós, fãs de desporto, tecemos o véu do mito e do mistério”, há a sensação de que a estrela de ténis adapta a sua vida ao formato e às fórmulas da biografia. E tal como em “O grande filho vermelho”, a pessoa deixa de representar quando, por breves momentos, se esquece de que na sua opinião o tem de fazer. O mais interessante para o voyeur concentra-se no prazer que tem ao detectar uma pequena imagem de realidade, umas palavras reveladoras, um orgasmo não fingido.
O tenista Federer, em “ Federer: carne e não só”, parece contrariar as expectativas frustradas.
Ver o tenista suíço no court de ténis de Wimbledon é “o raio de uma experiência religiosa”. É o chamado “Momento Federer”.
Quem já assistiu a um jogo do tenista suíço reconhece a capacidade de Foster Wallace em escrever o que é sentido pelo espectador.
Roger Federer consegue aliar a excelência psicomotora e a inteligência à elegância. Observamo-lo no court e pensamos no ténis como ficção clássica, em que o suíço enfrenta Nadal, sua Némesis; pensamos no ténis como Arte.
“Esta final de Wimbledon possuía a narrativa da vingança, a dinâmica do rei versus o regicida, os absolutos contrastes de personalidade. Trata-se do machismo impetuoso do Sul da Europa versus a intrincada e clínica mestria do Norte. Dionísio e Apolo. Cutelo e bisturi. Canhoto e destro” Pág. 414
Foster Wallace, antigo jogador de ténis, amplia o conceito de Estética a áreas diferentes das tradicionais.
A textualidade, o campo a interpretar, está presente em tudo. Nós somos texto. A partir deste princípio, a capacidade de interpretação, a descodificação, pode ser mais ou menos profunda conforme a capacidade do interpretante. O valor destes ensaios deve-se à capacidade do autor em aliar essa capacidade de descodificação a uma escrita fluida, descomplexada e provocadora.
O último dos 9 textos é “A água é isto”, único discurso dado pelo autor, que pode ser importante na elucidação do pensamento de DFW.
David Foster Wallace procurou o outro lado da narrativa acomodada ao expectável. Conseguiu com a classe já demonstrada, também, no romance “A Piada Infinita” (Quetzal).

Mariorufino.textos@gmail.com



publicado por oplanetalivro às 10:08

14
Jan 13

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=610194

O meu texto sobre "A Piada Infinita", de David Foster Wallace, para o Diário Digital. Espero que alimente discussões sobre o livro.


1
David Foster Wallace (n. 1962), professor, ensaísta, e um dos mais promissores escritores da sua geração, enforcou-se quando tinha 46 anos. Antes de sucumbir perante sucessivas espirais depressivas, o autor legou aos leitores a sua “magnus opus”:
-Uma vertiginosa montanha-russa intitulada “A Piada Infinita” (Infinite Jest).
“A Piada Infinita”, obra composta por 1198 páginas na edição da Quetzal, é uma exuberante viagem dentro da labiríntica e conturbada mente do seu autor.
Segundo o pai de Foster Wallace, em declarações ao NY Times de 14 de Setembro de 2008, o escritor tomava medicação para a depressão desde os 26 anos. Foi esta medicação que permitiu que ele pudesse trabalhar. No campo ficcional, o autor escreveu “The Broom of the system” (Romance, 1987), “Infinite Jest” (Romance, 1996), “The Pale King” (romance inacabado), “Girl with curious hair” (narrativas curtas, 1989), “Brief interviews with hideous men” (narrativas curtas, 1999) e “Oblivion: stories” (narrativas curtas, 2004).
No entanto, no último ano de vida, a medicação começou a produzir efeitos colaterais que obrigaram o médico a sugerir a interrupção do tratamento. Em consequência, a depressão voltou e outras alternativas, como a electroterapia, foram utilizadas. Nenhuma foi bem-sucedida.
Suicidou-se em 2008.
É importante ter em consideração a ligação entre os distúrbios de personalidade do escritor e a sua obra completa (ficcional e não-ficcional). Até que ponto a sua escrita seria tão incisiva, se não fossem as constantes depressões, o abuso de substâncias e os raros momentos de pacificação? Romantizar a loucura de Foster Wallace não parece ser a melhor forma de apreender a complexidade do seu pensamento. Aliás, seria até contraditório com o hiper-realismo/”histerical realism” presente em “A Piada Infinita”
O biografismo, apesar de poder ser importante, é menos relevante do que a credibilidade existente dentro de qualquer texto literário. Este não tem de ser um relato da realidade, mas tem de ser credível. O “hype” criado à volta da figura “David Foster Wallace” tem paralelo na juvenil admiração por Kurt Cobain ou Jim Morrison. O que é um elemento importante na temática do livro ganha tal relevo que transita para o assunto do livro. É necessário perceber que o biografismo é parte integrante desta obra, mas não é o assunto da mesma.
A leitura da produção literária, além deste livro, é importante para a compreensão do “magnus opus”. Os documentos paratextuais, compostos por ensaios tão importantes como “Consider the lobster (2004)”, “E Unibus Pluram: Television and U.S. Fiction (1993)”, “Federer as Religious experience (2006)”, “Tennis, trigonometry, Tornadoes: A Midwestern Boyhood (1991)”, permitem aprofundar o sentido de uma obra tão contraditória em si mesma como em comparação com as expectativas do leitor.
2
A acção de “A Piada Infinita” decorre num futuro próximo, quando os Estados Unidos da América, o México e o Canadá compõem a Organização das Nações da América do Norte (ONAN).
Movimentos independentistas e reaccionários procuram aceder ao conteúdo, por opostas razões, de um famoso filme que tem a capacidade de colocar os espectadores num tal estado de inacção e dependência que pode causar-lhes a morte. O filme foi criado por J.O. Incandenza, patriarca da família Incandenza, composta pela esposa Avril e os filhos Orin, Hal e Mário.
A família Incandenza fundou a “Ennfield Tennis Academy” que fica muito perto da “Ennet House Drug and Alcohol Recovery House”.
Entre consumo de substâncias proibidas, desintoxicações, ténis, cinema, alienação, espionagem, e um conjunto variado de outros assuntos “satélite”, Foster Wallace sugere ao leitor uma difícil, exigente, hilariante e, por vezes, fastidiosa viagem.
 “A Piada Infinita” contraria o desenvolvimento esperado da leitura devido à estrutura modular da narrativa. Esta obra é transversal a vários géneros narrativos. A sua plasticidade desafia a estrutura canónica deste género literário.
David Foster Wallace movimenta-se entre diversos planos de realidade, demarca os capítulos, reconstrói sintacticamente as frases, ao ponto de as tornar - propositadamente- em agramaticais, enriquece o texto com léxico que faz com que o leitor se confronte com um complexo desafio semântico, e recorre a diversos níveis de língua.
“Outros termos e palavras que Gately sabe que não conhece de lado nenhum começam a enfiar-se-lhe em catadupa na cabeça, com a mesma e tenebrosa força intrusiva, como, por exemplo, ACCIACATURA e ALAMBIQUE, LATRODECTUS MACTANS e PONTO DE DENSIDADE NEUTRA, CLARO-ESCURO e PROPRIOCEPÇÃO E TESTUDO e ANELADO e BRICOLAGE e CATALÉPICO e FALSIFICAÇÃO DO RECENSEAMENTO ELEITORAL e ESCOLOPOFILIA e LAERTES – e, assim de repente, Gately lembra-se dos próprios e já pensados SALIENTE, ESTRIGIL e LEXICAL – e LORDOSE e TRIBUTO e SINISTRAL e MENISCO e CRONAXIA e POOR YORICK e LUCULUS e MONTCLAIR COR DE CEREJA e depois DE SICA NEORREALISTA GRUA COM DOLLY e CIRCUM-AMBIENTEDRAMAENCONTRADOCASAMENTOLEVIRATO (…) ” Pág. 930
As mudanças de ritmo narrativo transportam o leitor desde o tédio até às situações mais hilariantes.
Será “A Piada Infinita” uma obra desequilibrada?
Provavelmente, Foster Wallace quis que o leitor sofresse a inconstância anímica que está tão presente no livro. É proposto ao leitor que viaje até ao fim do texto passando por ensaios, pequenas narrativas, “stream of consciousness”, longas descrições dos contextos e ambientes, e situações intensas e absurdas. Tudo, presumivelmente, ficcional. É uma “trip” através de vários géneros literários.
Um dos grandes méritos do autor é ter conseguido abranger a textualidade de uma forma ímpar. Ele analisa a sociedade que o rodeia (exterior), analisa-se a si (interior) e, principalmente, expõe ao leitor a dialéctica entre o indivíduo e a sociedade. Ao fazê-lo, consegue resgatar o papel de autor de uma textualidade global que, de acordo com o pós-estruturalismo/desconstrucionismo de Derrida, Barthes ou Foucault, implica o desaparecimento da voz única que se manifesta num autor. Dito de outra forma, existem vários centros temáticos dentro da narrativa, onde cada um compete entre si, dotando o texto, desta forma, de várias camadas interpretativas. David Foster Wallace articula, de uma forma que o faz sobressair entre pares, as várias possibilidades de interpretação.  Ele observa e é, por si, observado. É uma ideia que se encontra, também, no seu ensaio “E unibus pluram: television and U.S. Fiction” e, inclusive, num ensaio sobre o modernismo e pós-modernismos através de duas séries televisivas (“Havai: Força Especial” e “A Balada de Hill Street”)  inserido em “A Piada Infinita”. Segundo o escritor, qualquer ficcionista é um observador. O comportamento humano é “alimento” para todos os escritores. No entanto, um observador não gosta, normalmente, de ser observado. A televisão oferece aos escritores e/ou telespectadores esse tipo de espectáculo com uma só via: observar e não ser observado. David Foster Wallace faz o paralelismo entre pessoas solitárias e escritores. Ao declinar ser observado, mas fomentar a sua observação, um escritor limita a ligação emocional com outros seres humanos. Mantém-se fora de uma relação. A televisão optimiza esse processo. Ao haver um mecanismo entre observador e observado e, sobretudo, haver a noção de que já não se está perante a realidade, mas perante uma representação da realidade, a alienação atinge nova profundidade.
Ao coordenar estes dois eixos temáticos na narração, Foster Wallace consegue construir uma imagem psicológica/individual e sociológica/colectiva. O individuo é fruto da combinação entre a sua herança genética, a sua própria percepção da sociedade em que se insere, e as escolhas por si tomadas, que serão parte fundamental na formação da sua “psicologia de senso comum”
Sob diversas formas, a alienação social e individual é abordada através do entretenimento. Mas o autor vai mais longe. Ele observa o espaço intransponível entre os indivíduos. De entre as imensas personagens que habitam esta obra surge um sentimento de solidão partilhada. Estão sempre sós emocionalmente, apesar de haver ou não pessoas em redor de determinado indivíduo. Este é o grande drama de “A Piada Infinita”.
A sociedade é composta por indivíduos que, na essência, não partilham soluções. São pessoas sozinhas dentro de uma multidão.
“ (…) Como podemos ser amigos? Mesmo que todos vivamos e comamos e tomemos duche e joguemos juntos, como podemos deixar de ser cento e trinta e seis profundamente sós, embora estejamos aqui todos amontoados?
- Estás a falar de comunidade. Isto é uma arenga comunitarista.
-Para mim é a alienação.” Pág. 127/128
Quando o autor descreve situações de ansiedade extrema devido à privação de drogas, ou  casos de depressão major, a prosa atinge o leitor de forma violenta. No entanto, é nos diálogos e na hipotética interacção dos intervenientes que mais sobressai a impossibilidade de empatia e capacidade de entender o Outro.
Isto no plano individual. Quando é explicado o funcionamento de um jogo como Eschaton, percebemos a inconstância e precariedade das relações entre poderes políticos e económicos. Eschaton, palavra que significa Dia do Julgamento Final (Novo Testamento), é uma invenção que combina o individualismo do ténis e a conquista geográfica e de poder por parte de combatentes. Escathon é uma guerra mundial construída com uma imensa parafernália que o autor faz questão de mencionar exaustivamente.
“Durante o jogo as ogivas atómicas de cinco megatoneladas só podem ser lançadas com raquetas de ténis. Daí, a exigência de real destreza técnica para acertar no alvo que distingue o Eschaton de outros jogos de holocausto tipo «liga rotisserie» praticados com transferidores e PC em mesas de cozinha. O voo parabólico e transcontinental de um veículo estratégico de transporte de combustível líquido é bastante parecido ao de um balão com efeito.” Pág. 356
É um dos momentos em que os dois eixos temáticos se interseccionam: o que respeita ao indivíduo e o que respeita ao colectivo.
3
David Foster Wallace expõe-se sem reservas. E pede o mesmo ao leitor. “A Piada Infinita” é um grande desafio. É um jogo de ilusões, de máscaras e de espelhos. Ao terminar-se a leitura chega-se a uma conclusão: Ficou muito sentido por apreender. A releitura é imposta pela complexidade estrutural da obra assim como pela intensidade e profundidade do que é exposto. Os ensaios, que são inclusivamente nomeados no livro, enriquecem a activação do sentido. Em suma, o leitor não se iluda. São 1198 páginas que obrigam releitura. E não só. A própria tradução apresentou-se como um hercúleo desafio aos tradutores. Como transportar toda a complexidade sintáctica, lexical e semântica desde a língua de partida (inglês) para a língua de chegada (português)?
Devido ao trabalho elaborado pelo autor norte-americano na (re)criação lexical e na singularidade de algumas construções sintácticas, por exemplo, o leitor que queira aprofundar a leitura de “A Piada Infinita” deve ler a versão portuguesa, confrontá-la com a versão inglesa (não foi feito para este artigo), e enriquecer a leitura com o que é exposto na produção não-ficcional. Uma tarefa entregue aos devotos de David Foster Wallace.

Como canta Bono, dos U2, por quem o autor nutria admiração:
Hello, Hello// I'm at a place called vertigo” (Vertigo)

Mário Rufino


publicado por oplanetalivro às 11:19

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