«O Barril Mágico»: Malamud e o caminho da Salvação
“O Barril Mágico” (Cavalo de Ferro), de Bernard Malamud (1914-1986), foi finalmente editado em Portugal. Esta obra, composta por 13 narrativas breves, proporcionou o “National Book Award”, em 1959, ao autor norte-americano nascido em Brooklyn.
A excelência de Malamud neste género narrativo viria a suscitar na crítica literária comparações com outros dois grandes escritores judeus: Roth e Bellow. Flannery O`Connor afirmou, conforme se pode ver na própria capa do livro, “Descobri um autor de contos que é o melhor em absoluto, inclusive melhor do que eu”
A austeridade imposta pelas condições financeiras e pelo conservadorismo familiar não permitiu a Malamud, na sua infância, um desenvolvimento cultural satisfatório. O falecimento da mãe, o sofrimento causado pela Grande Depressão e o exíguo bairro a que ele estava confinado foram essenciais na formação do escritor. As suas fraquezas foram transformadas em matéria prima. Esse desamparo afectivo, cultural e económico é recriado na ficção.
Os pais, judeus russos estabelecidos em Brooklyn, eram donos de uma mercearia no interior de um pequeno e pobre bairro. Os poucos rendimentos auferidos com o comércio permitiam somente enganar a pobreza.
Em “O Barril Mágico” existe esse ambiente obscuro, onde são contextualizadas personagens complexas, imperfeitas na sua humanidade, e ansiosas por salvação.
As figuras das histórias são projecções da sua infância. O autor norte-americano junta apontamentos do fantástico ao conhecimento empírico, aliando o realismo à fantasmagoria. Parte de si está nas personagens, tal qual afirma em entrevista à Paris Review nº 52:
“Every character you invent takes his essence from you; therefore you’re in them as Flaubert was in Emma—but, peace to him, you are not those you imagine. They are your fictions.”
O autor diagnostica as situações, confronta os intervenientes e aponta-lhes a possível salvação. Ele é o demiurgo que mostra o caminho, mas têm de ser as criaturas - maioritariamente judeus desfavorecidos- a dar o último passo, abandonando pífios comportamentos. Esse movimento final é, na sua essência, a aproximação a um Outro. É no altruísmo que reside a salvação. O indivíduo projecta a sua imagem. E ao contrário de Narciso, ele não gosta do seu reflexo. Ao procurar a redenção desse outro, procura a sua redenção, também.
Dominadas pela angústia e melancolia, as criações de Malamud, em “O Barril Mágico”, vêem essa salvação surgir em epifania, numa variação de “Deus Ex Machina” (atente-se a “O Anjo Levine”).
Estamos perante exemplos de pessoas desfavorecidas, proscritas e arredadas do sucesso, que habitam histórias cativantes e, por vezes, surpreendentes.
O minimalismo das descrições fomenta a sugestão. A utilização da ironia caricatura, muitas vezes, aspectos merecedores de realce.
“Escritor estéril procura fim de esterilidade através de relação epistolar satisfatória com senhora escritora” (pág. 33)
Na mesma entrevista à Paris Review, o autor menciona ter aprendido o ritmo, o sentido de comédia e a surpresa com os filmes de Charlie Chaplin.
Estas características são detectáveis em “O Barril Mágico”.
Estas características são detectáveis em “O Barril Mágico”.
A aproximação aos textos bíblicos é concretizada desde a formação da sensibilidade dos avatares, tão imbuídos na culpa e na respectiva expiação, da profissão como parte importante da personalidade (Manischevitz, o alfaiate; Schlegel, o porteiro, etc.) até à constituição da história através da parábola.
A hermenêutica religiosa está muito presente; as influências literárias remetem para o Antigo Testamento.
“Os primeiros sete anos” são um excelente exemplo do paralelismo entre episódios bíblicos e ficção.
Mas o conto essencial deste livro é precisamente o que o denomina: “O Barril Mágico”. É na história de Leo Finkel, última do livro, que reside a ideia chave desta obra de Malamud:
“viu nela [Stella] a sua própria redenção” (pág. 205)
As 13 histórias de “O Barril Mágico” estão subordinadas aos percursos, traçados para uma possível salvação, das personagens. A empatia sentida pelo autor é evidente. Talvez ele também tenha procurado exorcizar os seus demónios através destas complexas (re) criações de pessoas e ambientes da sua infância e adolescência. Talvez. Mas certa é a sua mestria na construção de contos plenos de significado e complexidade capazes de estimular o pensamento do leitor.