O meu texto sobre o novo livro de Helena Vasconcelos: "Humilhação e Glória"
Humilhação e Glória
Helena Vasconcelos
Quetzal Editores
O estudo de Helena Vasconcelos sobre a condição feminina, ao longo dos séculos, baseia-se numa considerável estrutura bibliográfica, na cultura da autora e na sua paixão pelo tema a que se propôs estudar.
A investigação elaborada procura fundamentar uma ideia concebida antes da própria pesquisa: A secundarização (humilhação) do papel da mulher na sociedade e a posterior emancipação e contribuição (glória) social.
As questões essenciais e merecedoras de análise são: “porque é que as mulheres demoraram tanto a tomar as rédeas das suas existências? O que é as impediu de mostrarem, em pleno, todos os seus dons e capacidades? Porque se deixaram humilhar e dominar?” Pág.14
O material recolhido é sujeito a uma interpretação apaixonada que filia conclusões vinculadas a uma causa.
“No entanto, a força de trabalho em Portugal é predominantemente feminina. Se, à semelhança de Lisístrata e das mulheres de Atenas no famoso texto de Aristófanes, escrito em 400 anos a. C., as mulheres, para além de greve ao sexo, se abstivessem de trabalhar, de tomar conta da casa e dos filhos, de tratar dos pais, mães e outros familiares a seu cargo, se decidissem cruzar os braços nem que fosse por uns minutos, o País, pura e simplesmente, pararia com elas. Convém que não esqueçamos este facto. Pág. 22”
Esta característica é compatível com os objectivos da autora. Segundo as suas palavras, não houve intenção de construir um texto académico. Desta forma, opta por apresentar o estudo numa “1ª pessoa próxima”. O leitor ou investigador entra no livro sabendo a perspectiva que foi adoptada na análise da documentação.
A construção do texto tem o seu logos em dois centros: diacrónico (história) e sincrónico (presenças que tiveram influência decisiva nos acontecimentos). A interdisciplinaridade é uma característica comum.
O leitor tem oportunidade de acompanhar a evolução da condição feminina ao longo de vários séculos, durante várias correntes filosóficas/literárias (Classicismo, Romantismo, Realismo, Modernismo/estruturalismo) assim como conhecer/aprofundar os conhecimentos sobre figuras tão importantes e diferentes como Woolstonecraft, Gertrudes Margarida de Jesus (“Primeira Carta Apologética em favor, e defesa das mulheres” antecipou “Vindication” de Woolstonecraft), Camille Paglia (contraponto de muitas teorias mais radicais), Virgínia Woolf…; na ciência, desde Hipácia de Alexandria a Madame Curie; em Portugal, destacam-se várias figuras (Maria Teresa Horta, Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, Vieira da Silva… entre tantas outras) em diferentes épocas, contextos políticos e em diversas áreas.
Na construção de um cânone inserido no que se denomina “Estudos Femininos” foram excluídos, inevitavelmente, outros nomes importantes. A construção canónica é isso mesmo: um movimento de exclusão. No entanto, “Humilhação e Glória” é uma obra que não se encerra em si mesma, consegue ser abrangente e constrói várias pontes para outros autores e diferentes áreas.
Helena Vasconcelos propõe, com sucesso, um estudo interdisciplinar, diacrónico, onde consegue reconstituir a complexa interacção entre as características sociais inerentes à condição feminina e o relacionamento dessa condição com os movimentos culturais e espirituais de cada época. As individualidades sublinhadas ao longo do texto proporcionam ao leitor uma visão sobre movimentos de individualidade e de ruptura com o senso ou realidade vigente.
Poderemos estar presente, pela qualidade da argumentação e análise sociocrítica, perante um livro importante no âmbito dos “Estudos Femininos”
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
Mário Rufino
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