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Out 12

Constipação, Portagem, Bertrand de Almada Fórum

Não me ocorre nenhuma profissão mais repetitiva do que a de portageiro.
Estica o braço, recebe, digita, entrega. Isto durante um dia de trabalho. Depois vai a casa para voltar, no dia seguinte, com a certeza de que vai repetir tudo outra vez.
Quem está na viatura mal olha para o rosto de quem está a trabalhar. Quem está a trabalhar é obrigado a ver, essencialmente, a sujidade no tejadilho do carro.
A única incógnita é o meio de pagamento. E duvido que seja visto com grande entusiasmo: “será que vai pagar com cartão? Com moedas? Com notas? E se não tenho troco? Grande aventura…”Duvido muito… Mas até esta incógnita está em vias de ser solucionada.

Os pagamentos automáticos estão, lentamente, a relegar a quase inexistente personalização do atendimento para uma exótica memória pertencente à história.
Vivendo na margem sul, é quase obrigatório que eu tenha de passar pela Ponte 25 de Abril quando quero ir para Lisboa.
Hoje, saí de casa com destino ao hospital do SAMS nos Olivais.
Quando cheguei às portagens, tinha duas viaturas à minha frente. Preparei o pagamento. Olhei para o caixote, que não é outra coisa senão um caixote, e vi que estava lá dentro o único funcionário que reconheço de outras passagens.
Na primeira vez que o vi, há meses, pensei “Este gajo é esquisito”.
Antes de lhe entregar o cartão para pagar, brindou-me com um “BOM-DIAAAAAAAAAAA” que me obrigou a responder. Ainda estava a restabelecer-me de tamanha simpatia já ele se despedia de mim com uma “BOA-VIAGEMMMMM”.
Vi-o uma e outra vez e o comportamento manteve-se.
“ Mas este gajo diz isto a toda a gente? Não se farta?” Durante muito tempo continuou a ser esquisito.
Hoje, só queria chegar depressa ao hospital, mas confesso que me animou bastante aquele “BOM-DIAAAAAAAAAAA” e a “BOA-VIAGEMMMMMMMM”.
Sabemos que as constipações são muito mais fortes nos homens do que nas mulheres, a julgar pelas lendárias queixas masculinas. 
Paguei e ainda me ri.
Fui ao hospital, vim para casa, meti-me na cama.
Tinha uma mensagem no telemóvel: Bertrand Fórum Almada.
Um livro que foi por mim pedido há dois meses…talvez três meses… está na loja para ser levantado.

A funcionária a quem pedi e de quem recordo o primeiro nome (Rita) não desistiu e de tanto procurar… encontrou.
Eu não consegui. E tentei!
Numa época em que as livrarias on-line competem, de forma agressiva, com as livrarias tradicionais, estas têm poucas vantagens sobre a comodidade que é a de receber um livro em casa após meia-dúzia de cliques.
As tarefas estão cada vez mais repetitivas e os funcionários são vistos como meros executantes. Mas há casos em que o indivíduo consegue mais do que executar uma função; o indivíduo consegue personalizar a tarefa através da sua persistente tentativa de fazer a diferença, de emprestar algo positivo e intrínseco àquilo que faz.
Eu, cliente, não me esqueço do portageiro nem da colaboradora Rita da Bertrand do Almada Fórum. Eles são a diferença.

Mário Rufino

publicado por oplanetalivro às 21:14
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