27
Fev 14


http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=686413

As Correntes d´Escritas são um regabofe neuronal. Chega a ser pornográfico. Imaginem a vossa biblioteca: muitos e diferentes livros reunidos no mesmo espaço. Agora imaginem as Correntes: muitos e tão diferentes autores reunidos na mesma sala. Centenas de livros dentro daquelas pessoas a conversarem sobre literatura com outras centenas de livros dentro de outras tantas pessoas.

Os meus neurónios estão em plena orgia literária.
É curioso saber que a capacidade de reedificar mundos está, principalmente, entregue a um Senhor já um pouco frágil fisicamente. Confesso-vos o meu pudor em falar com demiurgos da minha instrução. São gente, cheia de virtudes e defeitos, de quem eu leio as palavras recentes e antigas.
No entanto, também me lembro da vergonha por mim sentida quando vi Saramago. Não quis ir falar com ele e não fui. Arrependo-me.
Enquanto jantava, ontem, dei por mim a olhar para a mesa deste Professor, tão bem acompanhado por Lídia Jorge, e a pensar nas vidas que eu teria de viver para saber metade do que ele sabe. Hoje, dia 20, escrevo sobre a” Mesa” onde ele está presente. Refiro-me a Eduardo Lourenço.
Ontem à noite, ainda havia poucos escritores
Comentámos à chegada e ao jantar o texto de João Tordo. Atingiu o patamar de “viral”. O próprio autor está muito surpreendido.
As pessoas revêem-se nesse texto. Têm medo, opinam, e pensam na facilidade que é estar nessa situação. Partilha-se o texto, mas viral é o medo.
As minhas entrevistas estão preparadas. Aguardo por Ondjaki, José Ovejedo e Valério Romão.
Acordo ainda de madrugada para organizar o meu dia. Sou o primeiro a chegar para o pequeno-almoço. Primeiro ou segundo... não sei... relembrei-me de José Rentes de Carvalho.
Só ele consegue acordar mais cedo do que eu.
Regresso ao quarto, confiro o programa, agarro no caderno e na caneta, espero no “hall” - Rentes de Carvalho já lá está - e caço pormenores.
É um dia bom, o primeiro dia de Correntes. Muitos leitores (auditório esgotado para a conferência de Dr Adriano Moreira), muitos autores e muitos livros.
Manuel Jorge Marmelo ganhou o principal prémio. Já está. Acabou-se a expectativa e o dia limpa a tensão. Só a tensão, porque chove como sempre tem chovido.
É engraçado ver os autores desde estremunhados até à sonolência nocturna. Mas o importante acontece no meio, durante o dia: literatura.
Escrevo do ponto de onde observo. O vulgar acto de escolher uma cadeira para me sentar determina o que vejo. O texto é influenciado pelo meu ponto de observação. E eu escolhi observar, nas Correntes, a utilidade, a agradabilidade e a qualidade, tendo consciência de que o mais importante é o texto, por mais ou menos entrega do autor à simpatia.
Na Póvoa, durante alguns dias, nós - leitores - estamos dentro da Literatura.
Opto por escrever sobre a literatura, esse milagre da linguagem, dentro de outro milagre: As Correntes.
Rui Zink disse duas frases na abertura das “Correntes d`Escritas”, no Casino da Póvoa de Varzim, nas quais eu me revejo:
“Isto é um milagre” e “A qualidade fundamental da Póvoa é a bondade”.
Milagre, bondade, literatura. Uma belíssima trindade.
publicado por oplanetalivro às 10:58
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13
Fev 14


APOLOGIA DO ESPANTO: O meu coração arde no teu peito.
Em tempo de agonia, o silêncio é violado por palavrões.
Escrever permite aliar o luto pela morte do som à necessidade de expelir a raiva, a ansiedade, a impotência e o medo, principalmente este medo de pai, tão profundo e agudo.
Uma sala de espera é um purgatório, quando um filho está numa sala de operações, longe da nossa capacidade para o ajudar.
O medo domina.
Na entrada do hospital, leio “Para existir é preciso ter nome”. Um recém-nascido no colo do pai.
Não, não é preciso. O nome tenta conter algo ou alguém que o ultrapassa. É um sinal de impotência.
Dois pisos abaixo nascem bebés. Onde eu estou morre gente, esperanças, e nasce o medo, o desespero e o fim. O fim nasce aqui.
Um pai sem o seu filho é um morto cujo corpo mantém o vício de andar e de respirar.
(Pai, conheço o hospital para onde vou?)

Iludimo-nos com as palavras; usamo-las para esconder os sentimentos; mentimos através delas.
Esta não é uma situação menos boa; é má. A tranquilidade não foi descontinuada; ela acabou no momento em que se soube da obrigatoriedade da cirurgia. Numa operação não há inconseguimentos; há falhanços.
(Conheces, filho. Não te preocupes)
O paciente do quarto 607 tem um número de beneficiário; é um menino, um filho, e tem um nome. Esse nome até poderia ser outro, pois o menino seria o mesmo menino que nos arrancou o coração do peito. Tem um nome partilhado por milhares de outras crianças, mas este é único porque é seu. E eu seria dele, mesmo que o nome fosse outro.
(Vai doer, pai?)
Acelero o tempo no texto, mas o mesmo não acontece com o do relógio. São agulhas em brasa espetadas nos meus olhos.
Só me apetece gritar palavrões. Não basta escrever.
As palavras falham, mas umas falham mais do que outras…
Paciente do quarto 607. Bloco operatório. Médicos com o sangue do meu filho nas mãos.
Espero pelo cirurgião para me dar uma palavra. Só quero uma: a certa.



Mário Rufino

Lisboa, 05/02/2014

publicado por oplanetalivro às 13:53
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02
Fev 14
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=679828

Um dos muitos aspectos inebriantes na Literatura é a autoria.
A composição teórica de um nome de autor é complexa. Esse nome reúne influências transversais a várias competências.
Tolstoi, por exemplo, não se resume a um homem; ele é a coexistência entre diferentes autores, épocas e vivências.
A qualidade de “Ana Karenine” ou “Guerra e Paz” marcaram a História da Literatura Universal com o nome do respectivo autor: Tolstoi.
Se um leitor disser “estou a ler Tolstoi”, quem o ouvir associa qualidade ao texto lido independentemente da efectiva qualidade desse texto. Estamos perante o “Vício de Propriedade”.
É mais fácil para o leitor falar sobre um autor conceituado do que de um autor desconhecido, partindo do princípio de que enaltece o correspondente trabalho. Caso não tenha um discurso laudatório, é possível ter de enfrentar acusações de pouca clareza, ignorância ou arrogância.
Os leitores que se antagonizam acabam por marcar o território com injúrias. É uma substituição da urina canina. Eles assumem as possíveis dores dos próprios autores e marcam território. Seja por crença na Estética, ou por básica inveja, esses leitores inibem-se (e tentam inibir) de observar uma das riquezas da literatura: a pluralidade. O enclausuramento em trincheiras conduz a dogmas. São louvados títulos de determinado autor consagrado, ou de específicas áreas geográficas ou temáticas, não merecedores (as) de discurso laudatório. Essa atenção deve-se à defesa de uma posição dominada pelo “vício de propriedade”. Uma vez dependente e entrincheirado (por vezes utiliza-se a palavra “especializado”), o leitor tem dificuldade em sair.
Lembremo-nos da efeméride do multiculturalismo, ou - mais recentemente- do filão Bolaño, ou da actual adulação por quase tudo o que é nórdico.
Concebo a descoberta de um novo autor como a oposição radical ao “vício de propriedade”.
Reconhecer qualidade num texto literário sem o apoio de informações paratextuais implica um conhecimento aprofundado de Literatura. Repare-se: O texto não tem um nome com força suficiente para o adjectivar; as possíveis influências terão de ser descobertas pelo “garimpeiro”, leitor desse texto; não há nada além das características literárias da produção escrita.
A competência de leitura é constituída pela qualidade e quantidade das leituras de quem recebe esse novo texto de um novo autor. A intertextualidade limita-se à relação entre o texto presente e os textos passados. Não há aval de publicações nem de críticos literários; poucos ou nenhuns leitores o conhecem, mas há “algo” merecedor de atenção, há o indizível inerente à literatura.
O leitor está só perante o texto. Tem de confiar na sua própria sensibilidade.
A procura de aceitação é intrínseca ao ser humano; a “crítica de badana” aproveita-se disso e tentar validar a escolha do leitor/consumidor. Críticos apoiam-se em críticos; a máquina publicitária apoia-se (entre muitos outros factores) nas palavras dos críticos. O próprio crítico pode ter um nome que adjectiva as suas opiniões. Não poucas vezes, primeiras edições apoiam-se em citações de publicações e/ou críticos afamados.
O leitor-primeiro não tem acesso à auto-referencialidade da crítica literária. Com menos suporte - e vícios-, o leitor-primeiro lidera. Ele depende, essencialmente, de um factor:
A sua própria competência de leitura.
As comunidades de leitura, tão utilizadas para o lançamento de capítulos transformados depois em livro, fazem deste leitor-primeiro (editor, na maioria das vezes) uma entidade colectiva. Em qualquer das situações, o nome de autor vai ganhando reconhecimento. E o livro seguinte já poderá estar sob esse “vício de propriedade”.
publicado por oplanetalivro às 10:04
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Apologia do Espanto: Ranger os dentes



Toda a palavra está grávida de uma pergunta. A sua morfologia e a sua voz remetem para a origem. Por isto, nenhuma frase é denotativa. A multiplicidade de sentidos é limitada, temporariamente, por outras frases, assim como eu existo num espaço só por mim ocupado, mas delimitado por pessoas e objectos, numa gramática social. No interior desta organização existem indivíduos. Cada um é denominado; cada um é, por outros, definido com palavras e com frases.
Se uma palavra falha quando tenta capturar uma forma, se uma palavra não consegue ir além do conceito (quando se refere a sentimentos), se uma frase é a combinação de inúmeras limitações, digam-me:
- Como se consegue ter uma certeza absoluta?
A Moral, conceito situado no tempo, e a Razão, exercício aritmético situado numa geografia, são transmitidos por palavras prenhes de dúvidas.
Edificar uma certeza absoluta em bases tão pouco sólidas é demonstrar estupidez.
A certeza absoluta é estupidez fossilizada. Somo todos estúpidos, pelos menos em parte; uns mais do que outros.
Estupidifiquemos, quanto baste, para continuarmos vivos e sãos.
Seixal, 07 de Janeiro de 2014
publicado por oplanetalivro às 10:03
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http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=682398

Revelado o programa das festas dos 15 anos do Correntes d`Escritas

A Póvoa de Varzim manterá a tradição de acolher, de 20 a 22 de Fevereiro, escritores, jornalistas, leitores e, principalmente, literatura. Em ano do seu 15.º aniversário, as Correntes d`Escritas continuarão a manter a sua pluralidade, embora, este ano, se concentrem, mais do que em outros anos, num local.

O Hotel Axis Vermar será o epicentro da programação. As tradicionais “Mesas”, as apresentações de livros, a nova rubrica “30´ à conversa”, as sessões de leitura e a Feira do Livro estarão centralizadas neste local que, na anterior edição, já havia recebido várias destas actividades. No entanto, os escritores continuarão a promover o encontro com os estudantes, dentro das respectivas escolas, com o objectivo de difundirem o gosto pela leitura.
Os alunos e o público, em geral, poderão contactar com muitos dos autores convidados para as Correntes d` Escritas 2014: Afonso Cruz, Almeida Faria, Ana Margarida Carvalho, João Tordo, Rentes de Carvalho, Miguel Sousa Tavares, Valério Romão, Ungulani Ba Ka Khosa, Gonçalo M. Tavares, entre muitos outros.
Será no Hotel Axis Vermar que o júri irá decidir, na noite de 19 de Fevereiro, o vencedor do “Prémio Literário Casino da Póvoa”, dedicado, em 2014, à prosa. O anúncio do vencedor acontecerá dia 20, na Cerimónia de Abertura do Encontro de Escritores de Expressão Ibérica, no Casino da Póvoa. Na mesma cerimónia irá ser anunciado o vencedor do “Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes D`Escritas/Porto Editora 2014”, do “Prémio Literário Correntes d`Escritas Papelaria Locus” (melhor conto escrito por jovens) e do “Prémio Literário Fundação Dr. Luís Rainha” (melhor romance, contos ou poesia sobre a Póvoa do Varzim).
Entre 20 e  22 de Fevereiro haverá 7 “Mesas”, sempre na Póvoa de Varzim. Os leitores terão a oportunidade de assistir ao debate sobre temas como “Pensamentos não são correntes de ninguém” no dia 20; “Palavras + correntes = x”, “A ficção nos livros é corrente de verdade”, “De correntes e cont(r)a- correntes se faz poesia” e “Cada livro é a antologia corrente da existência”, todas no dia 21; “Coração de correntes desabitado: a poesia” e “Não são minhas as correntes que escrevo é outro que as escreve em mim” estão programadas para o dia 22.
A 8.ª, a 24 de Fevereiro, será efectuada no Instituto Cervantes, em Lisboa. O tema será “São sempre correntes as palavras”.
“30´ à Conversa” terá 5 actividades previstas para os três dias. No dia 21, os leitores poderão assistir ao diálogo entre Eduardo Lourenço e Almeida Faria, a propósito da apresentação do livro “Lusitânia”, de Almeida Faria; ainda no mesmo dia, Artur Cruzeiro Seixas estará à conversa com Isaque Ferreira; no dia 21, na apresentação de “Ambas as mãos sobre o corpo”, de Maria Teresa Horta, Filipa Leal conversará com a autora homenageada desta edição das Correntes d`Escritas; sábado, 22 de Fevereiro, Onésimo Teotónio de Almeida apresentará “Gente feliz com lágrimas”, obra que fez 25 anos (2013) desde a primeira publicação (1988), com a presença do respectivo autor, João de Melo; a última actividade de “30´à conversa” acontecerá no Instituto Cervantes, em Lisboa, no dia 24, com as participações de António Gamoneda e Filipa Leal.
São três dias dedicados à Literatura, onde os seus principais intérpretes – escritores e leitores - poderão partilhar a devoção que sentem pela criação e recriação literária.
Programação das “Mesas”
Mesa 1, quinta-feira, 20, 17h30
Pensamentos não são correntes de ninguémAntónio Gamoneda
Eduardo Lourenço
Gonçalo M. Tavares
Lídia Jorge
Ungulani Ba Ka Khosa
José Carlos de Vasconcelos (moderador)
Mesa 2, sexta-feira, 21, 10h00
palavras + correntes = xAfonso Cruz
Helder Macedo
Ivo Machado
Miguel Real
Patrícia Portela
Valério Romão
João Gobern (moderador)
Mesa 3, sexta-feira, 21, 15h00
A ficção nos livros é corrente de verdadeAna Margarida de Carvalho
António Mota
Boaventura Cardoso
João Ricardo Pedro
José Ovejero
Michel Laub
Francisco José Viegas (moderador)
Mesa 4, sexta-feira, 21, 17h30
De correntes e cont(r)a-correntes se faz a poesiaAna Luísa Amaral
Golgona Anghel
João Moita
Margarida Ferra
Valter Hugo Mãe
Isabel Pires de Lima (moderador)
Mesa 5, sexta-feira, 21, 22h00
Cada livro é a antologia corrente da existênciaCarlos Quiroga
Joana Bértholo
Manuel da Silva Ramos
Manuel Jorge Marmelo
Miguel Sousa Tavares
Ondjaki
Rui Zink
Michael Kegler (moderador)
Mesa 6, sábado, 22, 10h00
Coração de correntes desabitado: a poesiaElgga Moreira
Inês Fonseca Santos
Manuel Rui
Pedro Teixeira Neves
Uberto Stabile
Vergílio Alberto Vieira
José Mário Silva (moderador)
Mesa 7, sábado, 22, 15h30
Não são minhas as correntes que escrevo é outro que as escreve em mimAndrés Neuman
Inês Pedrosa
José Rentes de Carvalho
Manuel Rivas
Onésimo Teotónio Almeida
Ana Sousa Dias (moderador)

Mesa 8, segunda-feira, 24, 19h00 (Correntes no Instituto Cervantes, em Lisboa)
São sempre correntes as palavrasAna Margarida de Carvalho
Carlos Quiroga
Carmo Neto
Michel Laub
Sara Figueiredo Costa (moderador)
Programação de “ 30`à conversa”
Dia 20, quinta-feira, 19h30
Eduardo Lourenço e Almeida Faria
(apresentação do livro Lusitânia)
Sala Eça de Queirós Hotel Axis Vermar
22h00 – 2 à conversa
Artur do Cruzeiro Seixas e Isaque Ferreira
Sala Eça de Queirós Hotel Axis Vermar
Dia 21, sexta-feira, 19h30
Maria Teresa Horta e Filipa Leal
(apresentação do livro Ambas as mãos sobre o corpo)
Sala Eça de Queirós Hotel Axis Vermar
Dia 22, sábado, 17h30
João de Melo e Onésimo Teotónio Almeida
(lançamento do livro Gente Feliz com Lágrimas)
Sala Eça de Queirós Hotel Axis Vermar
Dia 24, segunda-feira, 18h30 (Correntes no Instituto Cervantes, em Lisboa)
António Gamoneda e Filipa Leal
Obras finalistas “Prémio Literário Casino da Póvoa”
A Instalação do Medo, Rui Zink, Teodolito
A Luz é Mais Antiga que o Amor, de Ricardo Menéndez Salmón, Assírio & Alvim
A Maldição de Ondina, António Cabrita, Abysmo
A Sul. O Sombreiro, de Pepetela, Dom Quixote
A Vida no Céu, José Eduardo Agualusa, Quetzal
Caligrafia dos Sonhos, Juan Marsé, Dom Quixote
Dentro de Ti Ver o Mar, Inês Pedrosa, Dom Quixote
Diário da Queda, Michel Laub, Tinta da China
Metade Maior, Julieta Monginho, Editorial Estampa
O Filho de Mil Homens, Valter Hugo Mãe, Alfaguara
O Retorno, Dulce Maria Cardoso, Tinta da China
Pai, Levanta-te, Vem Fazer-me um Fato de Canela, Manuel da Silva Ramos, A.23 Edições
Quando o Diabo Reza, Mário de Carvalho, Tinta da China
Um Piano Para Cavalos Altos, Sandro William Junqueira, Caminho
Uma Mentira Mil Vezes Repetida, Manuel Jorge Marmelo, Quetzal
publicado por oplanetalivro às 09:53
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26
Fev 13



Crónica

Póvoa de Varzim, 22 de Fevereiro de 2013
“Correntes d`Escritas”

A intensidade imposta pelo programa das Correntes d´Escritas é uma característica benéfica para quem procura pluralidade de escolhas.
Esta manhã, optei, dentro da diversidade existente, por acompanhar Richard Zimler, Inês Pedrosa e Hélder Macedo, na visita à Escola Secundária Eça de Queirós.
Cheguei à escola antes dos autores. Os alunos, a julgar pelo sossego nos corredores, estavam dentro das salas.
Quando entrei no auditório, 6 estudantes estavam a praticar a leitura de vários segmentos das obras dos escritores convidados. No fim de cada leitura, surgiam comentários dos colegas sobre possíveis melhorias em aspectos menos conseguidos
Saíram. Por momentos, fiquei sozinho. Sem livros e sem leitores. Só o silêncio.

As palavras são mais bonitas quando lidas para outros ouvirem. As mesmas palavras sopradas por mim, lisboeta, ou por Zimler, escritor nascido nos EUA, seriam diferentes. Não teriam a pronúncia do norte. O imaginário que elas invocam diverge de falante para falante, de leitor para leitor. São as mesmas, mas têm, em si, muitas experiências.

Quando os escritores e os alunos chegaram ao auditório, os imaginários coabitaram. A sala encheu. O burburinho foi aumentando para, depois, se dissolver.
Após um silêncio reverencial, foram os leitores que, simbolicamente, se apropriaram das palavras que eu já tinha ouvido, momentos antes, e apresentaram os autores. Não mencionaram idade, profissão, prémios nem nacionalidades. Pegaram nos livros e leram.
Foi o texto dos autores nas vozes dos leitores que apresentou o que interessa: a comunhão da literatura. A reverência à palavra.
A interacção foi profícua. Durante as duas horas de duração, os escritores mencionaram a importância destas iniciativas. São uma actividade cívica.
“Um escritor é um cidadão que escreve. Não é outra coisa”, disse Hélder Macedo.
Depois explicaram alguns processos relacionados com a escrita: a obsessão pelas personagens, a imprevisibilidade dos caminhos narrativos, as insónias, a luta contra a artificialidade da obra.
Inês Pedrosa referiu a busca e registo de histórias na imprensa. As suas histórias começam em situações concretas e evoluem ficcionalmente. Já Hélder Macedo refere que a sua curiosidade incide sobre uma personagem que ainda não existe. É o oposto do concreto de Inês Pedrosa. A partir daí, ele constrói parte da história. Posteriormente, segundo o próprio, acontece um momento de crise. É a metamorfose. A partir daí o autor não sabe mais o que vai acontecer.
Apesar de algumas diferenças de processos, há uma necessidade em comum: o isolamento.
A solidão é parte essencial do processo criativo.

Richard Zimler e Inês Pedrosa conseguiram prender a atenção do público e motivaram várias interacções. Hélder Macedo, no entanto, foi mais longe.
A capacidade de comunicação do escritor português, que já foi professor de Literatura em Londres, convenceu quem o ouvia.
A adaptação da linguagem aos seus interlocutores, a capacidade de descodificação dos textos, a tentativa (sucedida) de mostrar o divertimento existente num texto codificado e mais fechado, fizeram das intervenções de Hélder Macedo “chaves de leitura” que os alunos, estou certo pelo retorno que deles recebi, irão aproveitar.
No fim, a sala voltou a ficar vazia, e as palavras sumiram pelos corredores.


Mário Rufino
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publicado por oplanetalivro às 22:01
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Crónica
22 De Fevereiro de 2013
Correntes d´Escritas

Gostava de tratar as palavras e os silêncios como Carmen Dolores, a actriz portuguesa, o consegue fazer.
Quando a vi, pela primeira vez e ainda no hotel, temi por ela devido à sua aparente fragilidade. Carmen Dolores é actriz de gerações. No meu caso, vem desde a minha avó até mim.
No auditório, apertou-se-me o peito quando ela começou a falar. Percebi, claramente, que as palavras lhe pertenciam assim que ela as assoprou. O melhor que eu podia fazer era manter o silêncio para a ouvir. Compreendi então que o meu silêncio é diferente. O meu silêncio anula o som. Limita ou elimina a comunicação. É uma ausência.
O silêncio de Carmen Dolores tem com o som da palavra uma relação íntima de intensificação mútua. Faz parte da palavra. Não a anula.
Estava simplesmente sentada. Não se levantou para falar. Ligou o microfone. E leu. Só isso. Leu. Aquela senhora frágil e pequena encheu a sala com a sua alma e, apesar da imensa qualidade emprestada por Zimler, Hélder Macedo, Manuel Jorge Marmelo, Manuel Rui e Rubens Figueiredo, os sons seguintes pareciam curvar-se perante a voz da actriz.
“e eu já nada sei soprar sobre as palavras” era o título dessa mesa. O silêncio é indispensável para a fruição desses pequenos universos, cheios de planetas e de vida, que são as palavras. São um sopro que vem do nosso interior.
Pensei nisto durante algum tempo. Por isso, quando entrei para assistir à mesa seguinte (5ª), já depois de jantar e cerca de 4 horas mais tarde, fi-lo com receio. Estava perante um mais-que-provável anticlímax. Não por desconfiar da valia dos intervenientes. Ignacio Martínez de Pisón (escritor espanhol), Luís Carlos Patraquim (escritor moçambicano), Maria do Rosário Pedreira (escritora portuguesa), Nuno Camarneiro (escritor português), e Rui Zink (escritor português) são garantia de qualidade. Mas por pensar que nada poderia igualar a excelência que eu presenciara na mesa anterior.
Enganei-me.
Carlos Quiroga moderou a discussão entre autores com realidades e formas de comunicação distintas.
A qualidade e o discurso politizado foram património comum entre todos os intervenientes. Luís Carlos Patraquim referiu-se aos tempos em que vivemos como tempos em que existe a “usurpação da dignidade da palavra e da verdade da palavra”
Tal não aconteceu em “ desse país arranquei todos os cravos”, tema desta mesa.
Depois…bem…depois Maria do Rosário Pedreira deu-me um dos momentos mais emocionantes das Correntes. Sem consciência disso, entrei numa família que não era a minha, mas pela qual me senti seduzido. O texto de Maria do Rosário Pedreira obriga a releitura. A simplicidade da prosa é enganadora. Dentro daquelas frases a alegria não elimina a tristeza, nem a tristeza elimina a alegria. Uma incorpora a outra. Mais nenhum texto, dos que ouvi e não foram todos, conseguiu tirar-me o chão. Deixei de estar na Póvoa. Saí dali e receio não conseguir dizer onde estive. Mas sei com quem estive.
Maria do Rosário Pedreira deu muito de si ao auditório.
Rui Zink foi o último a tomar a palavra. Dentro do estilo que se reconhece, o autor português oficializou um neologismo que se tem ouvido na voz de Sara Figueiredo Costa e lido nos respectivos textos da autora: o verbo Grandolar. E foi assim que terminou a sessão: a grandolar (cantar “Grândola, Vila Morena” de Zeca Afonso).
Rui Zink ameaçou não se calar enquanto não lhe grandolassem. O povo fez-lhe imediatamente a vontade. Leitores e escritores partilharam as palavras de Zeca Afonso.

Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 21:55
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23
Fev 13

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=617129

Póvoa de Varzim, 21 de Fevereiro de 2013
“Correntes d´Escritas”

Escrevo, neste momento, ao som da chuva e das ondas do mar. Escrevo e lembro-me das palavras de Luís Cardoso ditas ontem, na apresentação do seu livro. Palavras que me dão fome.
Os primeiros contactos do escritor timorense com a língua portuguesa foram devido ao pão. Melhor: ao pão com manteiga.
Luís Cardoso ajudava um amigo português, filho de um padeiro, na tradução Tétum-Português-Tétum, em Timor. Como retribuição do seu trabalho, recebia pão com manteiga.
Lembro-me das histórias que me contou, hoje de manhã, em entrevista. Falámos de sandálias, de Timor, de Enmanuel Jhesus, de Cultura...e de Silvicultura.
Luís Cardoso estudou Silvicultura com José Eduardo Agualusa (escritor angolano), José Riço Direitinho (escritor/crítico) português, Tim, engenheiro agrónomo vocalista dos Xutos e Pontapés, João Afonso (cantor).
Desconfio, e tive oportunidade de dizer ao Luís, que nenhum destes alunos prestou atenção nas aulas. Ora falavam de música ora de Literatura. A resposta, que poderão ler na entrevista, foi muito convincente. Mas desconfio. E se não prestaram atenção nas aulas, os leitores, a julgar pela aceitação, até agradecem.
Tenho a certeza do seguinte: Na voz de Luís Cardoso há muitas vozes, há muita gente, há muitos timorenses.
É a primeira vez que venho assistir às Correntes.
Não escondo o contentamento. Aliás, gostaria de não o perder. Lembro-me do meu filho e sinto-me tão contente como ele quando entra numa loja de gomas. Mas a mim são as palavras que sabem tão bem.
O convívio entre escritores, jornalistas e público acontece...naturalmente. Todos se reúnem à volta do protagonista: o livro. É uma relação de reverência a essa máquina de viajar no tempo.
Nas Correntes, parte da História da Literatura senta-se à mesa.

(Não resisti e tive de ir buscar uma sande. As palavras de Luís Cardoso deram-me fome.
No bar, o pão foi acompanhado por mais uma conversa sobre literatura.)

Hélia Correia, “mãe” de Lillias Fraser, ganhou o principal prémio… excepto para o JN, que insistiu que seria o enorme escritor Manuel António Pina.
Hélia Correia tem um luminoso sorriso de criança.
Quando saí do Casino da Póvoa, onde assisti ao discurso da premiada Hélia Correia, lembrei-me de uma conversa que tive ontem quando cheguei ao hotel.
Perguntaram-me qual era o doce típico da região.
Fácil. É a Literatura
“Correntes d´Escritas” faz da Literatura um produto típico da Póvoa de Varzim.


P.S. Inconfidência do dia. Os jornalistas levam toda a parafernália de que precisam, mas há um jornalista especial. Ele leve uma bola de matraquilhos. Quem?
Aceitam-se apostas.

Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 12:55
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19
Dez 12

Um pequeno texto sobre livros aqui:

http://viajarpelaleitura.blogspot.pt/2012/12/o-livro-aquele-que-para-mim-e-unico.html


publicado por oplanetalivro às 10:11
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23
Out 12

Caro aluno e leitor,
Permite-me, antes de tudo, tratar informalmente o meu amigo. Somos da mesma família e partilhamos as mesmas preocupações.
Hesitei em escrever-te devido à minha incapacidade em ser sucinto. A minha ideia era adaptar a mensagem à forma vigente de comunicação, mas não consegui. Tentei enviar um SMS, mas não deu resultado. "Não leias" pareceu-me muito redutor. Tentei uma mensagem electrónica, mas mesmo assim não fiquei satisfeito. "Não leias. Não percas tempo a ler só por ler. Pratica desporto. Tens mais sorte com as raparigas" pareceu-me melhor, mas insuficiente. Perdoa-me, mas tem de ser por carta.
Aflige-me perceber que estragas o teu tempo a fazer autópsias. A barriga rebela-se e agiganta-se durante o tempo em que estás sentado. Não te admires que ela te tape a visão.
Diz-me..porque perdes tempo a autopsiar um cadáver quando podes saber como foi a sua vida? Não és tu aborrecente? Ou já não passaste tu pela adolescência? Puxa pelo pouco de positivo que tem essa fase e insurge-te. Há direitos adquiridos. Tu não tens de ser torturado.

Ouve o que te vou dizer:
Estuda. Deves estudar Literatura. Não sei muito bem o que é Literatura, mas deixemos isso para depois. Tens de estudar, lamento, mas terás oportunidade de te vingares.
Quando acabares os testes, agradece à professora ou professor o facto de te ter ensinado tanto sobre economia doméstica. E explica-lhe, pois certamente ela/ele não vai entender. De tanto ouvires falar de narrador omnisciente, discurso directo, indirecto ou diabo-a-sete, de fazeres um levantamento do vestuário que as personagens usavam em "Os Maias", por exemplo, de caçares interjeições na "Odisseia" de Homero tu juras por tudo que não vais cometer a ousadia de gastares dinheiro com um livro! Afirma com todas as tuas células que jamais te passará pela cabeça tentares perceber, após aquela tortura medieval, o que é a Literatura. Deus te valha! Que te sirva de lição! Olha bem para a figura dos professores!!!
Certamente fazem parte da elite que começou a ler "Guerra e Paz" antes de provar alimentos sólidos e já sabia ler, escrever e compor poesia antes de andar. Diz-lhes isso e lamenta, do fundo do coração, a sua sorte.
Aprende!
Felizes são aqueles que começam a ver o Patinhas quando são crianças e ainda não sabem ler.
Observa!
Se te disserem que nasceram entre livros, repara bem se não sofrem de asma devido ao pó! É o único efeito que os livros têm naquela idade. Os pais deviam ser denunciados à Segurança Social por deixarem uma criança pequena, desprotegida, pegar em "A Divina Comédia".
Deixa-me dar-te um conselho, dentro dos meus limitados conhecimentos:
Chateia quem pensa que estabelece as regras. Eu sei que já o fazes, mas aprende a fazer melhor. Quando te derem um livro para ler, pergunta "Porquê este e não outro?"; quando te pedirem para dissecares o conteúdo, pergunta "Porquê assim e não assado?» E não fiques por aqui! Espera o contra-ataque. Eles vão ripostar. Convém estares preparado. Vai a uma biblioteca e lê o livro que os professores te disseram para ler e mais uns quantos que pensares serem apropriados. O critério de escolha depende de ti. Escolhe por peso, tamanho ou proximidade. Mas pega neles e lê. Depois, quando te disserem que tal livro pertence ao programa da escola, insiste  «Porquê?». Vão ficar furiosos contigo. Acredita. O meu filho faz-me isto e resulta sempre. Não baixes as defesas! Não te deixes surpreender quando te perguntarem "Então...diz-me lá...o que é que tu lerias?" Na realidade, eles não querem saber o que tu queres ler. E pensam que tu não sabes responder. Sorri e questiona-os sobre o que acham deste ou daquele livro. Olha para a face e repara na mudança de pigmentação na pele. Faz-lhes perguntas... Não sobre o narrador, por amor a Deus!!! "Que tipo de relação é que determinado livro tem com outro livro?" "E o autor? Que influências é que teve?" "Poderá dizer-se que a interpretação do texto é plural ou está consolidada nos manuais?"
Por esta altura mandam-te embora, mas tu já tiveste a tua vingança. Olha...faz isto só no fim do ano lectivo. Por muito que batalhes, vais ter sempre de escrever sobre a omnisciência do narrador desde o primeiro teste até ao último. Vais aprender uma lição muito triste. As pessoas não gostam de que lhes façam perguntas para as quais não sabem as respostas. É como os políticos. Antes de irem para os debates precisam de saber, mais ou menos, quais são as perguntas que estão estabelecidas.

A carta já vai longa. Não prometo que não te volte a escrever. Se precisares de ajuda...

Abraço e força!!!! Tem paciência!

Mário
publicado por oplanetalivro às 15:21

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