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Mai 14
Teoria dos Limites, de Maria Manuel Viana

Como Explicar a presença do mal?”

“De fingimentos de verdade e de verdade de fingimentos se fazem, pois, as histórias”[1]
José Saramago

A capacidade de Maria Manuel Viana (n.1955, Figueira da Foz) em desafiar o leitor e em estimular o gosto pela dificuldade é entusiasmante.
Em “Teoria dos Limites” (Teodolito), estamos perante o domínio da possibilidade, do “talvez”, campo tão fértil à criação artística.
O romance é composto por 3 partes: “O que não pode ser dito”, “O que talvez seja dito” e “O que irá ser dito”.
A história tem como ponto central a morte de um escritor afamado e candidato ao Nobel. A sua última e inacabada obra é mitificada. Não existem certezas sobre se o escritor a terminou. Sabe-se, no entanto, que a ideia do romance começou quando ele tomou conhecimento da obra de Leibniz.
Durante o funeral, reúne-se o núcleo familiar composto por a mãe, Mariana (filha), Ana Sofia e Ana Lúcia (sobrinhas) e o irmão. Será este o momento inicial da história narrada de forma complexa, contrastiva, e com uma prosa trabalhada como filigrana.
Logo no início, é demonstrada a dicotomia entre a criação e a morte, entre a ficção e a realidade, entre o pai e o Escritor. A escolha da maiúscula quando o Escritor é referido demonstra a divinização da sua figura. A influência do Escritor é abrangente e angustiante. Apesar de morto, Ele continua a ser fundamental na conduta das personagens. A sua influência limita a independência dos seus familiares e admiradores (as).
Maria Manuel Viana aproveita acontecimentos familiares para estudar o comportamento das personagens e especular, filosoficamente, sobre a literatura. Além de figura paternal (falhada), que não consegue detectar o drama da sua filha, o Escritor impõe o seu pensamento. Não é mais somente um drama de família. Estamos no campo da Teoria da Literatura, mais concretamente na rejeição do Biografismo, na Mimese (mais platónica do que aristotélica) na Morte do Autor (Barthes é muito mencionado) e, principalmente, na bloomiana Angústia da Influência.

A filha Mariana, sob esta influência, “decidira não ir para a faculdade após o secundário e, em vez disso, tirar um curso breve de estenodactilografia para ajudar o Pai que, por essa altura, já só escrevia e começava a ser O Escritor”. Posteriormente, ela decide continuar a escrever o livro inacabado. Mariana procura, constantemente, a aceitação/validação do seu pai/Escritor.
 A fragmentação do “eu-narrativo”, tão próxima da morte do autor e do pensamento de Derrida, afasta a voz narrativa da voz da autora. Através desta estratégia, a autora parece indicar que a única verdade existente é aquela que está no texto, independentemente das inevitáveis ligações com a realidade. “O fingimento” é potencializado pela adopção da voz das várias personagens.
A intertextualidade com outros livros e disciplinas é verificável pelas constantes menções a escritores, mas não deve ser reduzível a essa evidência; há, em “Teoria dos Limites”, intrínsecas influências e interdependências de outras obras e escritores. A mais evidente é com a de Leibniz e com algumas das suas teorias.
Os universos paralelos de Leibniz estão presentes no paralelismo temporal da narração. Na procura da resposta à pergunta de Leibniz “Como Explicar a presença do mal?”, a autora parece seguir a trindade presente na Teodiceia do autor alemão na explicação do mal: a vertente física (abuso sexual de Mariana, morte do Escritor), metafísica (filosofia, teoria literária), e moral (a culpa está muito presente).
O Monadismo, tão mencionado em “Teoria dos Limites”, é sobretudo detectável na Mutiplicidade (na estrutura narrativa e na caracterização das personagens) e na Percepção dos acontecimentos.
Leibniz está para o Escritor como o Escritor está para a filha. Há uma relação problemática com a anterioridade. A relação com a Obra Anterior é uma relação de empréstimo e influência. A fronteira entre “pedir emprestado” e o plágio é conceptualizada, mas não definida. Na Obra Nova existem todos os antecessores lidos pelo autor dessa obra. A dialéctica entre a antiguidade e a novidade é, quando idealizada, produtora de sentidos novos ou actualizados. Isto quando a novidade não é uma versão piorada do texto canónico. Esta é uma problemática presente desde o princípio em “Teoria dos Limites”.
Na sua introspecção sobre a influência, Maria Manuel Viana utiliza a margem de manobra dada por o Romance. A autora portuguesa experimenta os limites deste género narrativo ao utilizar estratégias próprias do ensaio. A miscigenação de géneros é uma característica importante no livro da escritora portuguesa.
“Não estou a falar de um mero jogo de combinações e articulações, à maneira de um puzzle, e sim da literatura como experiência limite, porque a literatura é uma experiência sobre aquilo a que chamamos os limites, sobre o limes, que em latim significava também fronteira, delimitação, portanto, metonimicamente, um espaço onde o confronto e a experiência da morte são possíveis.”

Através do paralelismo temporal e da pluralização de perspectivas, Maria Manuel Viana escreveu uma obra literária com qualidades suficientes para incentivar a releitura; a impossibilidade de apreensão do sentido numa só leitura deve-se à existência de interpretações poliédricas.
Maria Manuel Viana exige do leitor o que exigiu da sua construção literária: a formação do sentido através da pluralização e oposição de pontos de vista. O todo é muito mais do que a soma das partes.
O personagem principal, assim como qualquer ser humano, é composto por vários discursos, por várias narrativas.
O conhecimento possível, oriundo da pluralidade de perspectivas sobre determinada personagem e/ou acontecimento, é a plataforma viável na caracterização dessa mesma personagem e/ou acontecimento. A Verdade é uma utopia para o indivíduo. Não é nem pode vir a ser alcançável devido ao instrumento utilizado para a alcançar: a interpretação. Esta é sempre exterior ao facto.
Na última parte do livro, que reúne os escritos do falecido Escritor, Maria Manuel Viana potencia e amplia as possibilidades de significação do texto. A Palavra associa-se à matemática e à geometria. A interpretação é uma combinação de possibilidades.
Maria Manuel Viana desafia o hábito estabelecido de introdução-desenvolvimento-conclusão ao propor uma estrutura textual em que criador (escritor) e recriador (leitor) têm de reconciliar os códigos de interpretação.
“Teoria dos Limites” é uma obra aberta, muito inteligente e desafiante.

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=698558

Mariorufino.textos@gmail.com




[1] “O autor como narrador”, em Revista Ler nº 38, págs. 36 a 41
publicado por oplanetalivro às 13:59

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