http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=686504Passo curto, titubeante, vagaroso. Voz pausada. Eduardo Lourenço é imponente mesmo na sua fragilidade física. Senta-se e olha para o público. Provavelmente assim o terá feito, mais nervoso do que hoje, na primeira vez perante um outro público, ainda eu não era nascido. Apoiado em Manuel Alberto Valente, subiu o palco e sentou-se. É a primeira mesa das Correntes 2014.
António Gamoneda (poeta espanhol, prémio Cervantes), Eduardo Lourenço, João de Melo (escritor português), Lídia Jorge (escritora portuguesa), Ungulani Ba Ka Khosa (escritor moçambicano) partilharam “Pensamentos não são correntes de ninguém”, no Centro de Congressos Hotel Axis Vermar. Sala grande e cheia de ouvintes. A moderação foi entregue a José Carlos Vasconcelos (Editor do Jornal de Letras), que explicou a origem dos títulos/temas das “Mesas” das Correntes 2014. Todos os títulos foram retirados de frases ditas nas anteriores 14 edições.
As intervenções começaram em João de Melo e acabaram em António Gamoneda.
Os participantes prestaram homenagem às Correntes e, especialmente, a Eduardo Lourenço, que viria a ter um discurso de uma lucidez admirável.
João de Melo entregou um testemunho de uma luta entre a amargura e a piedade, entre a revolta e o desalento. O autor português falou sobre a alma de um povo abatido e resignado. Apelou à memória, citando autores, factos e afectos. Um texto pessimista, rico de conteúdo e envolvente na sua sonoridade e emoção.
Ba Ka Khosa começou a sua intervenção citando “O Mestre” Eduardo Lourenço. Diagnosticou as suas influências literárias, citando autores de diversas épocas, dialogando com autores canónicos e falando sobre a importância na sua escrita da introspecção de Saramago e da oralidade de Dinis Machado. “A Narrativa portuguesa era um patamar sagrado”, afirmou, referindo-se à sua formação como leitor e escritor.
Lídia Jorge teve uma participação mais lateral. A autora portuguesa optou por falar sobre o lado bom e o lado mau presente em cada pessoa, e em como o escritor se “alimenta” do seu lado mais mefistofélico.
Eduardo Lourenço iluminou a sala com a sua lucidez. Voz fraca, pausada, mas demonstrativa do raciocínio claro e coerente.
O ensaísta português falou sobre a singularidade das Correntes, um dos lugares do mundo em que, durante 3 ou 4 dias, a Lusofonia coabita com a nossa vizinha Espanha.
“Uma espécie de milagre”, afirmou.
A intervenção de Eduardo Lourenço serviu de contraponto à intervenção de João de Melo. O ensaísta rejeitou a auto-comiseração. Não partilha o pessimismo de fundo no que diz respeito à criação literária. Raros são os países do mundo, com o nosso tamanho, criadores de literatura universal, teve oportunidade de dizer.
A crise, hoje, está sem sujeito e descentralizada. Dentro desta comercialização planetária, “ a literatura serve para remediar as feridas da vida real”.
Estamos perante “o apocalipse em directo”. No entanto, o fatalismo não vence o optimismo. Fundamentando-se com a História, Eduardo Lourenço enfatizou o facto de, com paciência, tal como Moisés a teve, a entrada numa outra época será conseguida.
Mas a frase mais arrepiante apareceu quase no fim. Eduardo Lourenço afirmou, em relação à falta de opções de futuro: “Eu sei o que é estar à beira do abismo. Estou a olhar para ele, para o meu fim”
António Gamoneda, o último interveniente, falou sobre o princípio da linguagem e a sua relação com a linguagem poética.
A palavra, para Gamonesa, foi a origem do pensamento. Anteriormente a isso,o homem tinha uma visão instrumental de um objecto. A maçã, por exemplo, existia para cumprir uma função (matar fome), mas não como elemento intelectual. Nomear uma coisa é criar a intelectualidade da coisa.
Em relação à Linguagem poética, o poeta espanhol semeou muitas perguntas para as quais ele não tem resposta.
A primeira mesa foi dominada pela presença e brilhantismo intelectual de Eduardo Lourenço. As reverências foram constantes. A sua intervenção demonstrou a lucidez do seu raciocínio.