28
Fev 14

" (...)uma parábola com a capacidade de demonstrar o pensamento do autor sobre os percursos possíveis de uma existência. “A visão de Teodoro, o eremita de Tenerife, encontrada na sua cela” é uma viagem simbólica, que parece dialogar com “A Divina Comédia”, de Dante.

No entanto, há oposição entre Morte (em Dante) /Vida (em Johnson), percurso descendente (inferno) /ascendente (montanha), desespero/esperança: “Filho da Perseverança, quem quer que sejas, e cuja curiosidade te trouxe até aqui, lê e sê sábio”.

http://p3.publico.pt/cultura/livros/11061/paginas-escolhidas-de-samuel-johnson



publicado por oplanetalivro às 19:31

27
Fev 14

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=685775

«Nove Histórias»: o sexo e outras formas de poder


“Nove Histórias” (Quetzal) reúne os contos publicados por Jerome David Salinger (n. Nova Iorque;1919-2010) em diversos jornais e revistas entre 1948 e 1953. O interesse destes contos reside, essencialmente, na caracterização psicológica das personagens que protagonizam alguns episódios. No entanto, essa caracterização não pode ser dissociada do contexto do pós-guerra, anos 50, época em que existe a ascensão da classe média, ansiosa de sucesso e de poder de compra.
O conforto material esconde um lado manipulador exercido pela sociedade. Nessa socialização ditatorial, há os indivíduos, tal como o autor, desajustados com a realidade imposta. A incompatibilidade manifesta-se de diversas formas. O papel da mulher, por exemplo, altera-se no pós-guerra. A luta pela educação superior e emancipação é substituída pela educação utilitária. A mulher é vista como mãe de filhos e dona de casa. Ao homem cabe o perfil de trabalhador e sustento da família. A falsidade desta imagem é destruída, meticulosamente, pelo autor norte-americano através de episódios demonstrativos da subterrânea infelicidade do indivíduo. Em “Nove Histórias”, o realismo coabita com o absurdo.
Salinger, ele próprio um inadaptado ex-combatente da II Guerra Mundial, afasta-se do expectável e escreve sobre as vigentes regras de conduta. O autor afasta a nebulosa hipocrisia. Os seus textos viriam a marcar a literatura norte-americana.
“Um dia ideal para o peixe-banana”, primeira narrativa breve do livro, dá o mote para as restantes ficções. Este conto foi, também, o primeiro a ser publicado pelo autor (em “The New Yorker”).
Em “Um dia ideal para o peixe-banana”, o leitor é confrontado com esse desajustamento individual e colectivo que estará presente, sob diversas formas, nos outros oito contos:
- O papel da mulher, o abandono das carreiras profissionais em detrimento da família, a frustração causada pelas escolhas erradas (“Pai torcido no Connecticut”, por exemplo); a decepção e o comportamento indefinido com crianças (“Homem que Ri”); a conflitualidade matrimonial, a projecção de necessidades e a inevitável decepção (“Teddy”); o narcisismo (“A fase Azul de De Daumier-Smith”); o adultério e a imagem  de homem de sucesso (“Linda boca e verdes meus olhos”); o ressentimento, a pacificação   (“Pouco antes da guerra com os esquimós”); a autobiografia  (Para Esmé - com amor e sordidez), a solidão de uma criança, isolada num simbólico bote, e a relação com a sua mãe (“Em baixo no bote”. Talvez o conto mais optimista do livro).
As narrativas breves de Salinger são de complexo conteúdo e de simplicidade narrativa. Todas as histórias são muito mais do que uma só leitura apreende.
Em “Um dia ideal para o peixe banana”, a relação entre a subjectividade e a objectividade atinge um grau elevado de complexidade. Seymour Glass, cuja família pode ser acompanhada noutros textos do autor, está na praia junto a um hotel onde se reúnem muitos agentes publicitários. Seymour conversa com uma criança chamada Sybil sobre “peixes-banana”, enquanto a sua mulher conversa com a respectiva mãe ao telefone.
Salinger desafia o leitor a desvendar as diversas e subjectivas camadas de significância dentro de um episódio objectivo e até banal.
Repare-se na impossibilidade de fuga em Muriel, fechada no quarto devido a uma insolação, e em Seymour, preso dentro da sua loucura. O sexo está sempre implícito. A relação entre Seymour e a criança sugere a pedofilia, Muriel comprou uma blusa numa loja Sacks (lê-se sex) e, sozinha no seu quarto, lê um artigo intitulado “O sexo é o paraíso...ou o inferno”. Depois há os tão mencionados peixes-banana, que se inserem e se escondem num orifício.
Dentro das características inerentes ao conto, como a da brevidade, Salinger consegue aliar a análise social (realismo) à análise individual (psicologia).
Em todos os contos, o autor gere a velocidade da narração de forma exímia. Salinger acelera ou abranda a narração de forma a optimizar o suspense, o humor, a tensão e o drama. O leitor tem a estranha sensação de que algo de dramático está prestes a acontecer. 
Os espaços em branco (intervalos na narrativa) permitem a mudança de acção e a introdução de lacunas que aumentam a estranheza.
A adopção da pluralidade de pontos de análise é uma obrigatoriedade para o leitor aproximar-se da total significância na escrita do autor de “Franny e Zooey” e “À espera no centeio”.
O exílio de J.D Salinger resultou no invulgar interesse pela sua personalidade. Salinger partilha características com as personagens dos seus contos. A principal é a permanente inadaptação.
O simbolismo presente e a proximidade de diversos episódios ficcionados à vida real do autor são parte da riqueza literária de “Nove Histórias”.
A canonização dos livros de Salinger tem sido efectuada tanto pelos estudos académicos como pela recepção dos leitores.
“Nove Histórias” merece releitura e estudo aprofundado, pois é um exemplo de excelência dentro deste género narrativo.
publicado por oplanetalivro às 13:53



http://blogtailors.com/as-correntes-descritas-por-mario-rufino-7232460



publicado por oplanetalivro às 11:09
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Disseram-me, sem qualquer vestígio de sarcasmo ou arrogância, que eu tinha de ir no Alfa com destino Porto-Campanhã, conhecido por muitos como o “comboio dos escritores”, tal é a abundância destes “estranhos” indivíduos nas carruagens. Preparei um texto metafórico, onde mencionava a minha viagem física, a 140 km horários, acompanhado desses “Willy Wonkas” que nos guiam dentro das suas fábricas de chocolate.

Ouviria palavras cristalinas, mas fortes como aço. Estava preparado para o inevitável desencanto dado pelas palavras de barro, com os seus sons catalisadores de desilusão, lado lunar dos seus criadores literários.
Estava preparado para isso, mas não para isto:
Uma horda de alemães, de hoodie preta estampada com uma imponente águia, transportando sons tilintantes dentro de sacos de plástico, a cheirar a sandes bafientas enroladas em celofane, e a arrotar cerveja...
Não levo literatura, neste momento. Levo com futebol. Mas há algo de metafórico nisto. Não sei em que estação saio. Isto quer dizer que o meu sossego depende da vontade destes devotos alemães. Onde é que eu já vi isto?
Não entendo uma palavra de alemão. Talvez estejam a falar de Schiller ou Goethe; talvez a águia vermelha de nylon que oscila sobre a minha cabeça, numa bandeira prestes a servir-me de mortalha, seja a capa de um novo livro de Herta Muller.
Gosto muito de literatura alemã, gosto de futebol, mas espero gostar mais de os ver a afogar em cerveja Sagres os três golos do Jackson Martinez.
Ondjaki, em “Os transparentes”, dá-nos um cinema mudo, onde os espectadores são, involuntariamente, responsáveis pelos diálogos. Aqui, eu tenho a imagem a fugir com a velocidade de 150 km por hora. E sons, ostensivas cascas de palavras por encher com os sentidos que me apetecerem.
As “Correntes d` Escritas” impressionam-me. Há sempre desculpas quando algo não se faz.
Na Póvoa de Varzim, não há necessidade de desculpas. Estamos na 15ª edição das Correntes.
Em 2013, a organização foi perfeita. Fiquei adepto. As Correntes de 2014 começam, oficialmente, amanhã. No entanto, hoje já poderemos assistir a lançamento de livros:
- «Do branco ao negro», AA.VV. com Rita Roquette de Vasconcelos, Sextante
- «Livros Nómadas do Sangue», João Rios, Edita-me, entre outros.
Há, também, o lançamento da Flanzine, projecto muito divulgado nas redes sociais.
Vou ter de ficar por aqui. Berram-se hinos ao Eintracht Frankfurt, cheira a cerveja vinda do estômago. O passageiro que pendurou a mortalha sobre a minha cabeça parece o Philipp Lahm, do Bayern de Munique. Grande Jogador.

Amanhã temos “Correntes d`Escritas”
P.S.: O FC Porto recebe na quinta-feira o Eintrach Frankfurt, para os 16 avos da Liga Europa
publicado por oplanetalivro às 11:07
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Falamos de encontro entre escritores e leitores e esquecemo-nos, muitas vezes, de que os papeis não estão tão definidos assim. O escritor é leitor. Não é raro ver autores pedirem a outros autores para assinar livros. Percebe-se a ansiedade dos leitores em mostrar que são escritores quando falam com os já aceites pelo mercado e pelos seus pares. O escritor é um leitor. O leitor pode não ser um escritor. Ambos são recriadores.

No acto de leitura, o leitor aproxima-se do escritor através do livro. Na Póvoa, uma vez por ano, o livro não é a única forma de aproximação, mas continua a ser a mais radical. O livro é um meio de transporte para a alma de um homem e para a essência de uma época.
Estou a ser cobarde. Estou a fugir do que me preocupa.
Ontem, vi Eduardo Lourenço fragilizado. Almeida Faria passou por mim, mesmo agora. Não vejo Rentes de Carvalho. Normalmente, eu e Rentes de Carvalho chegamos quase ao mesmo tempo à sala para tomar o pequeno-almoço. Somos os primeiros. Não o vejo. Terá ido embora, certamente. 
Por mais vezes que repita a verdade última custa-me aceitá-la. O abismo de Eduardo Lourenço é o abismo de todos nós, mas individual por impossibilidade de partilha.
Quando estou nas Correntes, sou guiado pelos horários das mesas e das entrevistas. Esqueço-me dos dias da semana. Apesar de continuar amarrado às horas, suspendo a decadência do tempo. Os livros, elementos divinatórios e potencialmente eternos, enganam-me. Eles continuarão cá, numa ironia sempiterna perante a caducidade do corpo. Nós não.
O leitor terá noção da máquina do tempo que tem nas mãos? 
No interior da maior revolução tecnológica da História da Humanidade, a palavra escrita - forma imperfeita parida pela materna sonoridade - continua a ser a mais radical, poderosa e temível criação humana.
Repito mil vezes a verdade de todos nós, desejando a morte dessa verdade, a vida de uma mentira, a aniquilação da efemeridade do corpo.
É dia de festa, mas acordei cobarde, medroso, revoltado e ansioso. Gostava que o tempo fosse suspenso para algumas pessoas. Precisamos de Bergoglio, Steiner, Lourenço nas nossas vidas.
Teremos, enquanto quisermos, esse mecanismo complexo que nos permite desrespeitar o tempo: O livro.

publicado por oplanetalivro às 11:06
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http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=686504

Passo curto, titubeante, vagaroso. Voz pausada. Eduardo Lourenço é imponente mesmo na sua fragilidade física. Senta-se e olha para o público. Provavelmente assim o terá feito, mais nervoso do que hoje, na primeira vez perante um outro público, ainda eu não era nascido. Apoiado em Manuel Alberto Valente, subiu o palco e sentou-se. É a primeira mesa das Correntes 2014.

António Gamoneda (poeta espanhol, prémio Cervantes), Eduardo Lourenço, João de Melo (escritor português), Lídia Jorge (escritora portuguesa), Ungulani Ba Ka Khosa (escritor moçambicano) partilharam “Pensamentos não são correntes de ninguém”, no Centro de Congressos Hotel Axis Vermar. Sala grande e cheia de ouvintes. A moderação foi entregue a José Carlos Vasconcelos (Editor do Jornal de Letras), que explicou a origem dos títulos/temas das “Mesas” das Correntes 2014. Todos os títulos foram retirados de frases ditas nas anteriores 14 edições.
As intervenções começaram em João de Melo e acabaram em António Gamoneda.
Os participantes prestaram homenagem às Correntes e, especialmente, a Eduardo Lourenço, que viria a ter um discurso de uma lucidez admirável.
João de Melo entregou um testemunho de uma luta entre a amargura e a piedade, entre a revolta e o desalento. O autor português falou sobre a alma de um povo abatido e resignado. Apelou à memória, citando autores, factos e afectos. Um texto pessimista, rico de conteúdo e envolvente na sua sonoridade e emoção.
Ba Ka Khosa começou a sua intervenção citando “O Mestre” Eduardo Lourenço. Diagnosticou as suas influências literárias, citando autores de diversas épocas, dialogando com autores canónicos e falando sobre a importância na sua escrita da introspecção de Saramago e da oralidade de Dinis Machado. “A Narrativa portuguesa era um patamar sagrado”, afirmou, referindo-se à sua formação como leitor e escritor.
Lídia Jorge teve uma participação mais lateral. A autora portuguesa optou por falar sobre o lado bom e o lado mau presente em cada pessoa, e em como o escritor se “alimenta” do seu lado mais mefistofélico.
Eduardo Lourenço iluminou a sala com a sua lucidez. Voz fraca, pausada, mas demonstrativa do raciocínio claro e coerente.
O ensaísta português falou sobre a singularidade das Correntes, um dos lugares do mundo em que, durante 3 ou 4 dias, a Lusofonia coabita com a nossa vizinha Espanha.
“Uma espécie de milagre”, afirmou.
A intervenção de Eduardo Lourenço serviu de contraponto à intervenção de João de Melo. O ensaísta rejeitou a auto-comiseração. Não partilha o pessimismo de fundo no que diz respeito à criação literária. Raros são os países do mundo, com o nosso tamanho, criadores de literatura universal, teve oportunidade de dizer.
A crise, hoje, está sem sujeito e descentralizada. Dentro desta comercialização planetária, “ a literatura serve para remediar as feridas da vida real”.
Estamos perante “o apocalipse em directo”. No entanto, o fatalismo não vence o optimismo. Fundamentando-se com a História, Eduardo Lourenço enfatizou o facto de, com paciência, tal como Moisés a teve, a entrada numa outra época será conseguida.
Mas a frase mais arrepiante apareceu quase no fim. Eduardo Lourenço afirmou, em relação à falta de opções de futuro: “Eu sei o que é estar à beira do abismo. Estou a olhar para ele, para o meu fim”
António Gamoneda, o último interveniente, falou sobre o princípio da linguagem e a sua relação com a linguagem poética.
A palavra, para Gamonesa, foi a origem do pensamento. Anteriormente a isso,o homem tinha uma visão instrumental de um objecto. A maçã, por exemplo, existia para cumprir uma função (matar fome), mas não como elemento intelectual. Nomear uma coisa é criar a intelectualidade da coisa.
Em relação à Linguagem poética, o poeta espanhol semeou muitas perguntas para as quais ele não tem resposta.
A primeira mesa foi dominada pela presença e brilhantismo intelectual de Eduardo Lourenço. As reverências foram constantes. A sua intervenção demonstrou a lucidez do seu raciocínio.


publicado por oplanetalivro às 11:02
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http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=686413

As Correntes d´Escritas são um regabofe neuronal. Chega a ser pornográfico. Imaginem a vossa biblioteca: muitos e diferentes livros reunidos no mesmo espaço. Agora imaginem as Correntes: muitos e tão diferentes autores reunidos na mesma sala. Centenas de livros dentro daquelas pessoas a conversarem sobre literatura com outras centenas de livros dentro de outras tantas pessoas.

Os meus neurónios estão em plena orgia literária.
É curioso saber que a capacidade de reedificar mundos está, principalmente, entregue a um Senhor já um pouco frágil fisicamente. Confesso-vos o meu pudor em falar com demiurgos da minha instrução. São gente, cheia de virtudes e defeitos, de quem eu leio as palavras recentes e antigas.
No entanto, também me lembro da vergonha por mim sentida quando vi Saramago. Não quis ir falar com ele e não fui. Arrependo-me.
Enquanto jantava, ontem, dei por mim a olhar para a mesa deste Professor, tão bem acompanhado por Lídia Jorge, e a pensar nas vidas que eu teria de viver para saber metade do que ele sabe. Hoje, dia 20, escrevo sobre a” Mesa” onde ele está presente. Refiro-me a Eduardo Lourenço.
Ontem à noite, ainda havia poucos escritores
Comentámos à chegada e ao jantar o texto de João Tordo. Atingiu o patamar de “viral”. O próprio autor está muito surpreendido.
As pessoas revêem-se nesse texto. Têm medo, opinam, e pensam na facilidade que é estar nessa situação. Partilha-se o texto, mas viral é o medo.
As minhas entrevistas estão preparadas. Aguardo por Ondjaki, José Ovejedo e Valério Romão.
Acordo ainda de madrugada para organizar o meu dia. Sou o primeiro a chegar para o pequeno-almoço. Primeiro ou segundo... não sei... relembrei-me de José Rentes de Carvalho.
Só ele consegue acordar mais cedo do que eu.
Regresso ao quarto, confiro o programa, agarro no caderno e na caneta, espero no “hall” - Rentes de Carvalho já lá está - e caço pormenores.
É um dia bom, o primeiro dia de Correntes. Muitos leitores (auditório esgotado para a conferência de Dr Adriano Moreira), muitos autores e muitos livros.
Manuel Jorge Marmelo ganhou o principal prémio. Já está. Acabou-se a expectativa e o dia limpa a tensão. Só a tensão, porque chove como sempre tem chovido.
É engraçado ver os autores desde estremunhados até à sonolência nocturna. Mas o importante acontece no meio, durante o dia: literatura.
Escrevo do ponto de onde observo. O vulgar acto de escolher uma cadeira para me sentar determina o que vejo. O texto é influenciado pelo meu ponto de observação. E eu escolhi observar, nas Correntes, a utilidade, a agradabilidade e a qualidade, tendo consciência de que o mais importante é o texto, por mais ou menos entrega do autor à simpatia.
Na Póvoa, durante alguns dias, nós - leitores - estamos dentro da Literatura.
Opto por escrever sobre a literatura, esse milagre da linguagem, dentro de outro milagre: As Correntes.
Rui Zink disse duas frases na abertura das “Correntes d`Escritas”, no Casino da Póvoa de Varzim, nas quais eu me revejo:
“Isto é um milagre” e “A qualidade fundamental da Póvoa é a bondade”.
Milagre, bondade, literatura. Uma belíssima trindade.
publicado por oplanetalivro às 10:58
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13
Fev 14


APOLOGIA DO ESPANTO: O meu coração arde no teu peito.
Em tempo de agonia, o silêncio é violado por palavrões.
Escrever permite aliar o luto pela morte do som à necessidade de expelir a raiva, a ansiedade, a impotência e o medo, principalmente este medo de pai, tão profundo e agudo.
Uma sala de espera é um purgatório, quando um filho está numa sala de operações, longe da nossa capacidade para o ajudar.
O medo domina.
Na entrada do hospital, leio “Para existir é preciso ter nome”. Um recém-nascido no colo do pai.
Não, não é preciso. O nome tenta conter algo ou alguém que o ultrapassa. É um sinal de impotência.
Dois pisos abaixo nascem bebés. Onde eu estou morre gente, esperanças, e nasce o medo, o desespero e o fim. O fim nasce aqui.
Um pai sem o seu filho é um morto cujo corpo mantém o vício de andar e de respirar.
(Pai, conheço o hospital para onde vou?)

Iludimo-nos com as palavras; usamo-las para esconder os sentimentos; mentimos através delas.
Esta não é uma situação menos boa; é má. A tranquilidade não foi descontinuada; ela acabou no momento em que se soube da obrigatoriedade da cirurgia. Numa operação não há inconseguimentos; há falhanços.
(Conheces, filho. Não te preocupes)
O paciente do quarto 607 tem um número de beneficiário; é um menino, um filho, e tem um nome. Esse nome até poderia ser outro, pois o menino seria o mesmo menino que nos arrancou o coração do peito. Tem um nome partilhado por milhares de outras crianças, mas este é único porque é seu. E eu seria dele, mesmo que o nome fosse outro.
(Vai doer, pai?)
Acelero o tempo no texto, mas o mesmo não acontece com o do relógio. São agulhas em brasa espetadas nos meus olhos.
Só me apetece gritar palavrões. Não basta escrever.
As palavras falham, mas umas falham mais do que outras…
Paciente do quarto 607. Bloco operatório. Médicos com o sangue do meu filho nas mãos.
Espero pelo cirurgião para me dar uma palavra. Só quero uma: a certa.



Mário Rufino

Lisboa, 05/02/2014

publicado por oplanetalivro às 13:53
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02
Fev 14
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=679828

Um dos muitos aspectos inebriantes na Literatura é a autoria.
A composição teórica de um nome de autor é complexa. Esse nome reúne influências transversais a várias competências.
Tolstoi, por exemplo, não se resume a um homem; ele é a coexistência entre diferentes autores, épocas e vivências.
A qualidade de “Ana Karenine” ou “Guerra e Paz” marcaram a História da Literatura Universal com o nome do respectivo autor: Tolstoi.
Se um leitor disser “estou a ler Tolstoi”, quem o ouvir associa qualidade ao texto lido independentemente da efectiva qualidade desse texto. Estamos perante o “Vício de Propriedade”.
É mais fácil para o leitor falar sobre um autor conceituado do que de um autor desconhecido, partindo do princípio de que enaltece o correspondente trabalho. Caso não tenha um discurso laudatório, é possível ter de enfrentar acusações de pouca clareza, ignorância ou arrogância.
Os leitores que se antagonizam acabam por marcar o território com injúrias. É uma substituição da urina canina. Eles assumem as possíveis dores dos próprios autores e marcam território. Seja por crença na Estética, ou por básica inveja, esses leitores inibem-se (e tentam inibir) de observar uma das riquezas da literatura: a pluralidade. O enclausuramento em trincheiras conduz a dogmas. São louvados títulos de determinado autor consagrado, ou de específicas áreas geográficas ou temáticas, não merecedores (as) de discurso laudatório. Essa atenção deve-se à defesa de uma posição dominada pelo “vício de propriedade”. Uma vez dependente e entrincheirado (por vezes utiliza-se a palavra “especializado”), o leitor tem dificuldade em sair.
Lembremo-nos da efeméride do multiculturalismo, ou - mais recentemente- do filão Bolaño, ou da actual adulação por quase tudo o que é nórdico.
Concebo a descoberta de um novo autor como a oposição radical ao “vício de propriedade”.
Reconhecer qualidade num texto literário sem o apoio de informações paratextuais implica um conhecimento aprofundado de Literatura. Repare-se: O texto não tem um nome com força suficiente para o adjectivar; as possíveis influências terão de ser descobertas pelo “garimpeiro”, leitor desse texto; não há nada além das características literárias da produção escrita.
A competência de leitura é constituída pela qualidade e quantidade das leituras de quem recebe esse novo texto de um novo autor. A intertextualidade limita-se à relação entre o texto presente e os textos passados. Não há aval de publicações nem de críticos literários; poucos ou nenhuns leitores o conhecem, mas há “algo” merecedor de atenção, há o indizível inerente à literatura.
O leitor está só perante o texto. Tem de confiar na sua própria sensibilidade.
A procura de aceitação é intrínseca ao ser humano; a “crítica de badana” aproveita-se disso e tentar validar a escolha do leitor/consumidor. Críticos apoiam-se em críticos; a máquina publicitária apoia-se (entre muitos outros factores) nas palavras dos críticos. O próprio crítico pode ter um nome que adjectiva as suas opiniões. Não poucas vezes, primeiras edições apoiam-se em citações de publicações e/ou críticos afamados.
O leitor-primeiro não tem acesso à auto-referencialidade da crítica literária. Com menos suporte - e vícios-, o leitor-primeiro lidera. Ele depende, essencialmente, de um factor:
A sua própria competência de leitura.
As comunidades de leitura, tão utilizadas para o lançamento de capítulos transformados depois em livro, fazem deste leitor-primeiro (editor, na maioria das vezes) uma entidade colectiva. Em qualquer das situações, o nome de autor vai ganhando reconhecimento. E o livro seguinte já poderá estar sob esse “vício de propriedade”.
publicado por oplanetalivro às 10:04
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Apologia do Espanto: Ranger os dentes



Toda a palavra está grávida de uma pergunta. A sua morfologia e a sua voz remetem para a origem. Por isto, nenhuma frase é denotativa. A multiplicidade de sentidos é limitada, temporariamente, por outras frases, assim como eu existo num espaço só por mim ocupado, mas delimitado por pessoas e objectos, numa gramática social. No interior desta organização existem indivíduos. Cada um é denominado; cada um é, por outros, definido com palavras e com frases.
Se uma palavra falha quando tenta capturar uma forma, se uma palavra não consegue ir além do conceito (quando se refere a sentimentos), se uma frase é a combinação de inúmeras limitações, digam-me:
- Como se consegue ter uma certeza absoluta?
A Moral, conceito situado no tempo, e a Razão, exercício aritmético situado numa geografia, são transmitidos por palavras prenhes de dúvidas.
Edificar uma certeza absoluta em bases tão pouco sólidas é demonstrar estupidez.
A certeza absoluta é estupidez fossilizada. Somo todos estúpidos, pelos menos em parte; uns mais do que outros.
Estupidifiquemos, quanto baste, para continuarmos vivos e sãos.
Seixal, 07 de Janeiro de 2014
publicado por oplanetalivro às 10:03
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