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Donald Barthelme (n.1931, Filadélfia), em “40 Histórias” (Antígona), explora o indefinível da literatura.
O autor norte-americano, fundador do “Creative Writing Program” na Universidade de Houston, é considerado um dos escritores mais importantes do pós-modernismo. E ao iniciar-se a leitura de “40 Histórias” rapidamente se percebe a razão.
A ousadia do autor na manipulação dos constituintes da narrativa breve, desde a estrutura ao recurso estilístico, é rara e consegue atingir a excelência.
Barthelme parece fruir da decomposição do primado da estrutura. O autor contraria a viciada expectativa do leitor. Nos seus textos, ele surpreende-o com o imprevisível.
A construção de imagens com efeitos imprevistos, devido à conjugação de elementos inesperados, causa estranheza e intensifica o prazer pela leitura.
“ Ah, eles divertiram-se imenso a fazer os exercícios, e nós dissemos-lhes para baixarem o traseiro enquanto rastejavam por baixo do arame, o arame era feito de citações em cadeia, Tácito, Heródoto, Píndaro...” Pág. 105
Barthelme surpreende através da sobreposição de várias realidades, do nonsense e da perspectiva cubista na conjugação dos vários elementos (vidas, efemérides, acontecimentos banais).
O leitor é obrigado a sair da sua expectável e sã realidade.
“Tu aproximaste-te e caíste sobre mim, eu estava sentado na cadeira de verga. A verga soltou uma exclamação quando o teu peso se abateu sobre mim.” Pág. 14
O escritor norte-americano erige os seus pequenos mundos ficcionais sobre estruturas com diferenças substanciais. “A tentação de Santo António”, de estrutura clássica, contrasta com a desfragmentação de “Guarda-costas”.
A diferença entre estas duas narrativas breves demonstra a capacidade do autor em rasgar convenções e de confrontar o género literário com as suas próprias limitações.
“Guarda-costas” mostra as muitas possibilidades existentes na ficção. Neste analisa-se não o conto em si, mas as “costuras” da sua construção. Este conto é, sobretudo, uma ficção que incide, formalmente, nos caminhos possíveis antes e durante a sua construção.
O leitor observa o negativo ficcional da mesma forma que um fotógrafo analisa os negativos fotográficos das suas fotos. O realce presente nos contos existe em oposição à ditadura da forma.
Quando se pensa na apostasia de Barthelme ao cânone, é-se surpreendido com o classicismo de “A tentação de Santo António” e com um típico começo, “Deixa-me contar-te uma coisa...”, em ”Downsizing”.
Já em “Sinbad”, será a última parte do conto a iluminar a sobreposição de imagens até ali narradas.
Em “Chablis”, as vicissitudes da vida conjugal são perspectivadas com a ironia e humor típicas do “Barthelmismo”.
Em “O Génio”, temos a súmula do que é a escrita de Barthelme. O conto é elíptico, satírico e desconcertante.
A forma como o autor envolve o leitor é genial.
As suas histórias são, muitas vezes, perversas e perturbantes.
São 40 contos capazes de demonstrar que mesmo a Ficção pode ser ainda mais manipulada e testada.
Barthelme é um mestre da narrativa breve. “40 Histórias” candidata-se a ser um dos melhores livros de 2013.
Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com