28
Jul 13


http://www.diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=646020


«O Livro Negro» que não se cansa de ganhar prémios

Por Mário Rufino

Hilary Mantel (n. 1952, Glossop, Inglaterra), vencedora do “Man Booker Prize 2009” com “Wolf Hall”, vê “Bring Up the Bodies”, vencedor do “Man Booker Prize 2012” e do Costa Book of The Year 2012”, ser traduzido em Portugal com o título “O Livro Negro” (Civilização).

O novo romance da autora, única britânica a ganhar dois prémios Booker e também a única a ganhá-los consecutivamente, continua a acompanhar o percurso de Thomas Cromwell na corte do Rei Henry VIII. Após o desaparecimento de Wosley, Cromwell é uma peça essencial no xadrez político.
Durante a 2ª metade do reinado de Henry VIII (1491-1547), dois assuntos de extrema importância dominaram a política interna e externa do reino:
- A Sucessão
- A Reforma Protestante, que originou a Igreja Anglicana.
Na sucessão, a incapacidade do Rei em gerar um varão complicou a estabilidade do reino.
Do único parto bem-sucedido da Rainha Catherine nasceu Mary.
Anne Boleyn, 2ª esposa de Henry VIII, após vários partos malsucedidos, tem uma menina, Elisabeth.
Jane Seymour, 3ª das suas seis esposas, viria, finalmente, a ter um rapaz, Edward VII.
Seria o diletantismo emocional do Rei a provocar o génesis de uma nova igreja em Inglaterra. A negação do Papa à pretensão do Rei em obter o divórcio de Catherine levou este a cortar relações e poderes com o bispo de Roma.
A excomunhão do Rei viria a ser a movimentação final para o surgimento da Igreja Anglicana. Longe estava o ano (1521) em que Henry VIII fora considerado “defender of the faith” pelo Papa…
“An Act of Submission of the Clergy and an Act of Succession followed, together with an Act of Supremacy (1534) which recognized that the king was 'the only supreme head of the Church of England called Anglicana Ecclesia'.” (The Official Website of the British Monarchy http://www.royal.gov.uk/)
Durante estes acontecimentos, figuras como Wolsey e Thomas Cromwell viriam a ter um papel fundamental na gestão dos mais importantes aspectos do reino.
A pouca inclinação de Henry VIII para a gestão administrativa fomentou a ascensão de Wosley, um dos Primeiros-Ministros mais poderosos da História Britânica, e, após o falecimento de Wosley, Thomas Cromwell.
A partir destes factos históricos, Hilary Mantel urdiu uma teia narrativa onde Cromwell - personagem que o leitor segue - calcula os seus movimentos ora como predador ora como presa.
O múltiplo premiado romance da autora britânica é um complexo jogo de estratégia. Numa “mise-en-scène” muito bem construída, os diálogos demonstram a invulgar capacidade literária de Hilary Mantel. São do melhor que se pode ler em literatura.
A utilização equilibrada da ironia e do sarcasmo abre os diálogos a múltiplos significados. O leitor assiste à dissimulação dos intervenientes. E desconfia.
A Luz incide sobre a palavra, mas a intenção das personagens fica na sombra.
A acção é um envolvente jogo de enganos. O leitor sabe que está a ser ludibriado... mas não sabe por quem.
O acto político é uma moeda de troca.
Hilary Mantel optou pelo discurso livre indirecto, tendo, com esta escolha, a possibilidade de entrar e sair da mente de Cromwell. A sua voz, como autora, é muitas vezes e propositadamente confundida com a do personagem principal.
O aspecto menos conseguido em “O Livro Negro” reside na velocidade da narração. Mantel, ao apoiar, essencialmente, a narrativa na interacção (diálogos) entre personagens, torna o desenvolvimento da história demasiado lento. A fluidez é prejudicada por esta razão. Além disso, o enredo carece de originalidade, pois segue, com rigidez, os factos históricos.
A universalidade desta obra reside na sempiterna ambição do ser humano. A necessidade visceral de ter e ser mais do que o homem mais próximo leva os membros da corte de Henry VIII a lutarem, sem tréguas, por poder.
Os limites da sobrevivência e da ascenção rasgam a moralidade. Os princípios morais encontram-se adjudicados às lutas de poder. Os intervenientes não mentem; fazem política.
Um dia, é-se a mão que movimenta as peças; no outro, não se é mais do que um peão a ser sacrificado.
O reinado de Henry VIII e a supremacia política de Thomas Cromwell não acabam em “O Livro Negro”. O sucessor de “Wolf Hall” é o começo do terceiro, e presume-se último, capítulo da vida de Thomas Cromwell.
“Não há fins. Quem pensar que há está iludido quanto à sua natureza. São tudo começos. Aqui está um”. (pág. 436, última página) ´ Mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 12:15



http://p3.publico.pt/cultura/livros/8700/passam-se-coisas-estranhas-na-livraria-noite-e-dia

publicado por oplanetalivro às 12:12



http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=646559



«Maldito seja o Rio do Tempo»: o silêncio das palavras de Per Petterson

Por Mário Rufino

Per Petterson (1952, n. Oslo), autor do aclamado «Cavalos Roubados» (Independent Foreign Fiction Prize,em 2006, e International IMPAC Dublin Literary Award, em 2007), editado pela Casa das Letras, vê lançado em Portugal o seu romance «Maldito seja o Rio do Tempo» pela Dom Quixote. No seu segundo romance editado em português, Petterson conjuga a fluência da sua prosa com uma relevante corrente interior, que faz deste seu livro algo mais do que uma simples história entre mãe e filho.

Ao enfrentar o possível fim da sua vida, pois sofre de cancro, a mãe de Arvid parte numa viagem para a Dinamarca. Apesar de viver há 40 anos na Noruega, ela sente-se dinamarquesa. As suas viagens de Ferry desde a Noruega até à Dinamarca haviam sido frequentes. É no seu país natal que ela quer ser internada. Prestes a divorciar-se da sua mulher, Arvid decide acompanhar a mãe.
Baseando-se numa história simples, Per Petterson construiu uma narrativa com diversos planos temporais. Arvid, o nosso narrador, desconstrói a sua memória em procura de compreensão e absolvição. A culpa que o inibe prende-se com a relação nada empática com os seus pais, principalmente com a sua mãe.
A demanda emocional da mãe e do filho é complexa e com vários pontos de contacto. Enquanto eles se tentam reencontrar com eles próprios, procuram eliminar ou limitar o espaço emocional que os separa. O diálogo entre mãe e filho é dominado pelo silêncio, pelo que fica por dizer. As palavras não saem e o contacto físico é mínimo devido à incapacidade de ambos demonstrarem o que sentem um pelo outro. Aliás, nem os próprios conseguem reconhecer os sentimentos que os unem. Mãe e filho assistem, em margens opostas, ao decorrer do rio do tempo.
Um ponto essencial do livro de Per Petterson é a perspectiva edipiana de Arvid.
A ausência física do pai é sufocante... mas nunca deixa de estar presente nos diálogos e nos silêncios tanto do filho como da esposa.
O aspecto mais forte de «Maldito seja o Rio do Tempo» é a construção psicológica do personagem Arvid.
Analisando através da perspectiva freudiana, o recalcamento da relação de Arvid com os pais é responsável pela respectiva formação reactiva.
A ansiedade do filho em relação à mãe influencia decisivamente as escolhas sociais e emocionais. O Arvid adulto não renunciou a ser substituto do pai.
«Ela [mãe] iria olhar pela janela e ver de imediato aquilo que mudara enquanto ela dormia, e depois iria perceber que eu fora capaz de fazer aquilo que o meu pai não conseguira» (pág. 58)
A inconsequência dos actos deste filho, irmão de dois ainda vivos e um já falecido, é interpretada com maior ou menor condescendência por parte da mãe. A perspectiva dela sobre o seu casamento e sobre o filho não é definida pelo autor.
A relação dela com o seu amigo de infância que, ao contrário do marido, a acompanha – por vontade dela nos últimos dias antes do internamento - é aberta a várias interpretações.
Já quanto ao filho, a mãe parece não permitir que ele se emancipe.
«O problema foi quando vesti aquelas roupas com movimentos tímidos e embaraçados porque daquela vez a minha mãe não me virou as costas, elas serviam-me como uma luva, como se tivessem sido feitas especialmente para mim. Mas não o tinham sido. Pertenciam ao meu pai e tinham sido especialmente compradas para ele há vinte anos ou mais. (...) -Foi o que me pareceu - disse a minha mãe. - Que a roupa te iria servir» (pág. 124)
Entre a notícia da desistência da faculdade, contada por ele à mãe enquanto estão no café, e a notícia do divórcio, contada por ele em circunstâncias idênticas, passaram 15 anos. No entanto, Arvid precisa, em ambos os casos, da aceitação e compreensão da mãe. E nas duas situações ele apresenta-se como o derrotado.
A contextualização histórica da narração, que compreende (essencialmente) o período entre a divulgação do comunismo pós-guerra e a sua queda com o desmantelamento do muro de Berlim, a Perestroika de Gorbatchev e a revolta de Tiananmen, é mais do que um enquadramento temporal do desenvolvimento do enredo. A evolução de Arvid, tanto no aspecto racional como emocional, acompanha as mudanças políticas.
As suas escolhas reflectem a sua personalidade. Ele procura, através do comunismo, a subordinação do individual ao colectivo, mas não como procura do bem comum. O seu caminho é o da diluição do “eu” num grupo.
«Fiz aquilo que os outros faziam, porque me faltava a força para me destacar na multidão com o meu medo e a minha liberdade» (pág. 61)
Até neste aspecto, o filho não sai da sombra dos pai. O respeito que merece advém, em grande parte, do que foi conquistado pelo labor do pai na divulgação dos ideais comunistas, quando mais novo.
Ao ser chamado a intervir individualmente (na propaganda, por exemplo), Arvid confronta-se com as suas limitações.
Outrora influenciado por Mao, de quem tinha um poster na cabeceira da cama, ele deixa, passivamente, esmorecer as suas ideias com o declínio do comunismo.
Per Petterson sugere e não define. A concretização, ou motivo, das acções é deixada à responsabilidade do leitor. É a este que cabe completar as acções interrompidas, os caminhos por trilhar, as frases que ficaram por acabar.
Os silêncios terão de ser preenchidos pelo leitor.
Só assim as correntes visíveis ou interiores da prosa de «Maldito seja o Rio do Tempo» chegam à foz do sentido. Ou sentidos.
mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 12:08

19
Jul 13


“É verdade. Nós todos macaqueamos Deus na sua ausência”[i]
Mathias Énard

Imitação da Vida


Como é possível terem cortado a árvore? Como é possível terem eliminado o tronco, os ramos, as folhas que cabem na palavra “árvore”?
A palavra é a mesma quando o objecto já é diferente ou não existe?
Não posso rachá-la como racharam a árvore. Caiu seca no chão. Braços a rangerem com as folhas nos dedos até se confundirem com o pó. E depois a sombra. Uma mancha negra dentro da nuvem amarela e intoxicante.
Uma sombra que se diluiu na terra quando, antes, pousava nela. A luz do céu olhava para os ramos e desenhava-os no solo.
Os doentes gostavam de se sentar na imitação da árvore. Os babantes, senhor doutor, e os não-andantes são imitações deles próprios. Seres imateriais. Como a sombra. Nós, os depositados, somos imperfeições de um logro, de uma enorme imitação.
E o que faço agora com esta palavra? Mantenho-a? Por que razão a cortaram?
- Penso que estava doente.
Não estamos todos?
- Poderia cair em cima das pessoas.
Por isso estamos aqui. Para não cairmos estupidamente em cima de alguém que não quer ser incomodado.
- Estão aqui para serem tratados.
Não me lixe. Querem tratar-me da saúde...
- Por que se preocupa tanto com isso? Praticamente não sai do edifício.
Por que razão haveria de sair?
- Veria pessoas, falaria com elas…
Doutor, sofro de esquizofrenia. Já tenho muita gente dentro da minha cabeça. De qualquer forma, não me preocupo com a árvore. Preocupo-me com a falência da palavra. É tudo o que tenho. Vejo que me trai.
Árbol, Albero, Baum, Drvo, Tree… para um só ser.
As palavras multiplicam-se, mas o objecto é só um. Entende a minha ansiedade?
Se o objecto desaparece, a palavra deveria morrer.
- Mas há mais árvores…
Não para mim. Esta era a única que via. Não vou ver mais nenhuma. Não sairei deste sanatório. Mato a palavra que há em mim. Recordo-me dela, do objecto dela, mas não a utilizarei mais.
- Mas existe em si. Recorda a imagem….
Mesmo matando a palavra, o objecto mantém-se independente…é o que me diz? Então está viva.
- Como assim?
A partir da palavra construo o objecto. Se a palavra não é o objecto, então eu posso providenciar o que é requerido pela minha realidade. Se a realidade é construída pelas palavras, então posso sair daqui. Mais! A partir da palavra posso contruir um bairro, uma cidade, uma nova realidade! Posso dizer que estou livre!!!
- Mas não está.
Não no seu mundo. Estou livre desta merda de sanatório, das suas sessões, das fraldas, dos comprimidos, das velhas sem dentes, dos purés…
- Ficciona-se.. Acha que está mais perto da verdade, dessa forma?
Verdade… se estamos a falar de alguma coisa, não é de verdade. As palavras não mostram a verdade. Mostram o que conseguimos ver. Elas são o limite da nossa percepção; o horizonte do nosso conhecimento. Não lhe estou a contar verdade segundo os seus termos.

- Então o que me está a contar? A história da árvore?
Não há nenhuma história. Há sombras e margens.

Mário Rufino


[i]“Fala-lhes de Batalhas, de Reis e de Elefantes” Pág. 119
publicado por oplanetalivro às 09:02
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02
Jul 13

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=639223




John Freeman (n. 1974) exerceu o cargo de Editor da “Granta” desde 2009 até meados de 2013. Foi presidente do “National Book Critics Circle”, entre 2006 e 2008, e escreveu para publicações tão importantes como “The Los Angeles Times”, “The New York Times Book Review”, “The Guardian” e “The Wall Street Journal”.

O jornalista, editor e crítico literário esteve em Portugal para promover a “Granta” portuguesa e o seu livro “Como Ler um Escritor” (Tinta-da-China).

A editora Tinta-da-China continua a editar obras relevantes para a análise de textos literários.

Após a publicação de “Entrevistas da Paris Review” (2009), organizado por Carlos Vaz Marques, surge-nos, agora, “Como Ler um Escritor”.

A conjugação das duas obras permite acrescentar competências de leitura e, em consequência, capacidade de descodificação dos textos.


De forma individual, “Como Ler um Escritor” será uma mais-valia para o leitor, se for considerado como uma introdução ou abordagem inicial ao universo criativo de cada autor.

55 textos sobre 56 autores compõem esta obra de 406 páginas. Devido à relação entre a extensão da obra e a quantidade de autores mencionados, não existe um aprofundamento da matéria que leve o leitor a adquirir os conhecimentos necessários para aprofundar a leitura das obras de cada um dos entrevistados. O livro não atinge essa profundidade, nem parece ter esse objectivo. John Freeman consegue abordar uma quantidade relevante de autores essenciais na literatura contemporânea. É um dos méritos deste livro. Escritores como De Lillo, Updike, Roth, Murakami, Auster, David Foster Wallace, Theroux, Kazuo Ishiguro , Mo Yan, Rushdie são sujeitos à interpretação de John Freeman.


A colecção de entrevistas abrange mais de uma década.

Os textos são, bastas vezes, opinativos. A prosa distancia-se dos academismos e disponibiliza-se a diferentes capacidades de leitura. Uma das questões que o livro faz emergir é a diferença entre a leitura de um escritor e a leitura dos respectivos livros. Até que ponto o biografismo entra na ficção é uma problemática debatida no domínio da crítica literária. John Freeman explora muito bem esta questão.“Como Ler um Escritor” é, essencialmente, um conjunto de textos que permite ao leitor aceder, através da perspectiva literária e afectiva de Freeman, a aspectos, umas vezes mais outras vezes menos importantes, da vida dos escritores com possível influência na produção das consequentes obras literárias.

Apesar de não atingir a excelência de “Entrevistas da Paris Review”, o leitor tem acesso a uma elucidativa introdução ao pensamento de muitos dos principais criadores da literatura contemporânea



Mário Rufino

Mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 13:31

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