28
Mai 13

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=633061




“Irmão Lobo” é lobo com pele de cordeiro.

A falência de uma família, sobrecarregada com dívidas e castigada pelo desemprego, é dramática. Quando a mesma família é composta por um filho adolescente, uma filha quase adolescente e uma menina ainda criança, além do pai e da mãe, então o dramatismo intensifica-se.
Carla Maia de Almeida (n. 1969, Matosinhos), no seu 6º livro, utiliza este cenário tão contemporâneo na construção de uma narrativa que incomoda e contraria o comodismo do leitor. Ao contrário do que se possa supor, “Irmão Lobo”, editado pela Editora Planeta Tangerina, não é um livro infantil. “Irmão Lobo” é um livro sobre o amargo mundo dos adultos visto através da perspectiva fantasista e doce de uma criança.
“Bolota”, a filha mais nova, conta a lenta destruição da sua família, utilizando, para tal, dois tempos paralelos (passado próximo e passado mais distante) que virão, perto do fim do livro, a juntar-se. Os diferentes tempos são bem geridos pela autora, pois esta estratégia clarifica acções e intensifica os aspectos emocionais. Se tal não bastasse, a produção gráfica do livro denota o cuidado em ajudar o leitor na descodificação do enredo: páginas azuis para o passado mais recente; páginas brancas para o passado mais distante.
O facto de ser uma menina que se debate com sentido dos acontecimentos atribui maior complexidade emocional à história.
“Tenho 15 anos e estou a um passo de começar a minha vida, mas ainda não tive tempo de compreender tudo o que me aconteceu até agora” pág. 11
Será com ela que o leitor chegará ao fim do que a própria denomina de “Grande Travessia no Deserto da Morte”. Durante esse trajecto, o leitor assiste à morte do mito e ao triste desaparecimento da ingenuidade. Lentamente, Bolota vai desmantelando a fantasia, tão bem demonstrada pelas alcunhas que atribui a cada estado anímico de cada membro da família, até ter de enfrentar a realidade tapada pela teatralidade.

“As outras famílias colecionavam festas de aniversários, fotografias de Natais felizes, férias no Algarve, eletrodomésticos, que faziam tudo e cartões de desconto do hipermercado. Nós colecionávamos alcunhas. E créditos bancários. Eram as únicas maneiras de mantermos o nosso teatro a funcionar” pág. 21
Nesse “teatro”, o pai é, para “Bolota”, o chefe da “tribo”, a quem ela chama de “Alce Negro”. O pai representa a força moral, a coragem e o sonho. Ele é capaz de vencer todas as dificuldades, apesar do alheamento adolescente dos irmãos e do frio pessimismo da mãe.
O território da família vai diminuindo conforme se mudam para apartamentos cada vez mais pequenos, mas Bolota mantém a idolatria pelo pai. Ele é o líder da tribo. Até cair.
E é aqui que Malik, o husky que vive com a família, ganha importância fulcral no livro.
Quando Malik, o “Irmão Lobo”, ladra a “Alce Negro” e este recua com medo, a queda do mito inicia-se. A partir desta ocasião, as circunstâncias vão sendo clarificadas e afastadas da perspectiva romântica. O fim já havia começado, mas só nesse momento “Bolota” ganha consciência disso.
A prosa de “Irmão Lobo” sugere mais do que aquilo que mostra. A autora deixa na penumbra o que cabe ao leitor descobrir.
É, de facto, um jogo de luz e sombra muito bem ilustrado por António Jorge Gonçalves.
Carla Maia de Almeida, autora já publicada no Brasil, Holanda e Colômbia, apresenta um livro muito diferente do anterior, “Onde Moram as Casas” (Caminho, 2012). “Irmão Lobo” mostra que o maior drama pode residir nas coisas mais simples, ou nas pessoas que lhe são mais próximas.
Depressa o leitor chegará à conclusão de que nada é o que parece.
“Irmão Lobo” é lobo com pele de cordeiro.




Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com


Irmão LoboIrmão Lobo by Carla Maia de Almeida

My rating: 4 of 5 stars


O meu texto, para o Diário Digital, sobre o livro de Carla Maia de Almeida.
Ide Ler, ou sereis chicoteados.



http://www.diariodigital.sapo.pt/news...



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publicado por oplanetalivro às 11:26

14
Mai 13


http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=630895


Carlos Campaniço (n. 1973, Moura) construiu um extraordinário universo literário, onde cintilam personagens memoráveis.
“Os demónios de Álvaro Cobra”, editado pela Teorema, é um livro que merece toda a atenção dos leitores e da crítica literária.
Medinas, a fictícia aldeia alentejana onde habita a família Cobra, só tem uma porta de entrada e outra de saída. Nela se entra pela primeira página do livro, dela se sai pela última página. Não há mapa que a indique.
Dentro dessa aldeia de pagãos, novos cristãos e judeus, o importante peso da igreja católica na moral é inferior à superstição, aos costumes e aos mitos ancestrais. Por lá passam um anarquista que ensina a escrever e a ler, uma prostituta, dona de um bordel, que deseja casar as suas “meninas” com os homens mais ricos, uma cadela que adivinha o tempo, um pássaro que canta, sem nunca errar, em sincronia com a hora exacta e grifos e mais grifos…
Enquanto visita esse maravilhoso ambiente criado por Carlos Campaniço, o leitor  vai conhecendo as estranhas peculiaridades de cada membro da família Cobra, principalmente de Álvaro.
“ (...) aquela era uma família insólita: o marido com suas singularidades inusitadas e suas coleiras de epítetos; a bisavó, quem sabe, a mulher mais velha do mundo; a cunhada, doente com febre toda uma vida; e a sogra com duas mãos desiguais.”

A história de “Os demónios de Álvaro Cobra” é de abnegação, sofrimento, de derrotas e de vitórias. É uma história sobre o peso do destino e a (in) capacidade para o construir.
A pergunta essencial para a compreensão deste romance cedo se impõe:
Até quando aguentará Álvaro Cobra tanta dor?
O leitor tem, nas suas mãos, um romance de personagens. A narração vai apresentando várias peripécias que tanto podem provocar tristeza ou alegria; serem violentas ou ternurentas, fatalistas ou de esperança. O principal objectivo desses acontecimentos é provocar uma atitude, um gesto, uma palavra, que permita ao autor/leitor assistir a determinado comportamento.
Carlos Campaniço não deixa “pontas soltas”. Tudo está lá por alguma razão. Mais cedo ou mais tarde, o leitor entenderá o objectivo de determinado acontecimento.
A realidade imposta pelo visível e tangível é manipulada de forma coerente e credível.
É inevitável a referência ao realismo mágico. Neste aspecto, o autor parece seguir os mesmos caminhos de Garcia Márquez (Medinas em vez de Macondo), Riço Direitinho (características de algumas personagens de “breviário das más inclinações”), ou de alguma literatura nórdica.
O trabalho lexical é muito relevante. Os regionalismos estão presentes em abundância. O próprio autor faz questão de o mencionar.
“ Até cento e oitenta e duas palavras, capturadas ao regionalismo local, que não coabitavam no seu léxico da Língua Portuguesa, eram berberismos e arabismos falados apenas em Medinas. Mencionou como exemplo, abrindo os braços à multidão, o nome da praça onde estavam reunidos.” Pág. 94
“Os demónios de Álvaro Cobra”, obra vencedora do Prémio Literário de Almada 2012, é um livro marcante devido à capacidade do seu autor em criar e descrever, com muito equilíbrio, um ambiente singular onde habitam personagens que provocam empatia e estranheza no leitor.

O leitor não se esquecerá de Álvaro Cobra.

Mário Rufino


Os Demónios de Álvaro CobraOs Demónios de Álvaro Cobra by Carlos Campaniço
My rating: 5 of 5 stars

Garanto-vos: Vocês vão querer ler este livro.
O meu texto sobre "Os demónios de Álvaro Cobra" para o Diário Digital

O mundo mágico de Carlos Campaniço.

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publicado por oplanetalivro às 07:18

05
Mai 13


"(...)
A propaganda e as campanhas publicitárias são a alavanca para chegar ao “estado canónico”. A originalidade e o conceito de beleza não são considerados.
A facilitação é uma realidade social, não somente literária. A sobrevivência passa pela venda, a venda passa por ir ao encontro do consumidor e este não quer ser importunado (excepto uma minoria). Criam-se e aplicam-se receitas, vendem-se livros. Se são canónicos ou não, é irrelevante; vendem-se como sabonetes. O consumidor sai limpinho, sem qualquer “nódoa negra”, sem qualquer marca do conflito que o texto, esse que desafia, nos deixa. Não há transformação, não há estranhamento. Há consumo.
O trabalho de percepção artística, que é complexo e difícil, não atrai toda a gente.
A actividade mental da percepção artística é substituída pela passividade do processo de percepção atalhado e reduzido. O receptor rejeita a novidade e quer o reconhecimento de algo em que possa sentir a projecção das suas atitudes e valores.
A cultura de massas, industrial, baseia-se neste princípio de “plug-and-play”. Acontece a tendência para sublinhar os aspectos recreativos da arte transformando-a em objecto com valor elevado de mercado, excluindo toda a espécie de esforço mental.
A educação adaptou-se; se ela visasse o desenvolvimento pessoal tornava-se antagónica a esta cultura comercial."

Mário Rufino







publicado por oplanetalivro às 13:42

03
Mai 13


A Maldição de Diógenes.


Homer e Langley, personagens do romance de E. L. Doctorow (n.1931, Bronx), são motivo de interesse desde há décadas devido às peculiaridades das suas existências (e desistências).
O autor norte-americano, vencedor do National Book Award com “World’s Fair”, do PEN/Faulkner prize e do National Book Critics Circle Award com “Billy Bathgate” e “The March”, ficcionou a extraordinária existência dos irmãos Collyer.
A vida de Homer Lusk Collyer (n.1881)  e a de Langley Wakeman Collyer (n.1885), irmãos criados numa família abastada, acompanharam importantes alterações sociais, económicas e políticas nos Estados Unidos da América na passagem do século XIX para o século XX.
As suas vidas viriam a terminar de forma tão bizarra quanto foram vividas.
Tudo leva a crer que Langley, irmão mais novo, desenvolveu a síndrome de Diógenes, que “caracteriza-se por descuido extremo com a higiene pessoal, negligência com o asseio da própria moradia, isolamento social, suspeição e comportamento paranoico, sendo frequente a ocorrência de colecionismo. (Jornal brasileiro de psiquiatria.vol.59 no.2 Rio de Janeiro 2010)
Segundo o “New York Daily News” de 19/10/2012, foram retiradas da mansão 140 toneladas de lixo tão variado como um esqueleto humano, instrumentos musicais (7 pianos, entre outros instrumentos), carrinhos de bebé, pilhas e pilhas de jornais, estátuas, relógios de mármore, chassi de um carro, pistolas...
Debaixo dos escombros, seria encontrado imediatamente o corpo de Langley Collyer, mas o irmão foi dado como desaparecido. Procuraram-no em várias cidades. Três semanas depois descobriram-no a poucos metros de distância de Langley. O lixo impossibilitou as autoridades de descobrir o corpo, mais cedo.
Doctorow apoia-se nestes factos para construir uma ficção com mais bases no psicologismo do que na acção. A narração,  entregue exclusivamente a Homer, compreende o período iniciado na 1ª Guerra Mundial, continua pela Grande Depressão, Lei Seca, Guerra Fria, Guerra da Coreia, Vietname, até ao desaparecimento dos irmãos Collyer, em 1947.
A evolução histórica é parte contextualizante do romance e é sujeita a uma conotativa análise sociológica.
A perspectiva narrativa sofre uma importante mutação ao longo do romance.
Homer, o nosso narrador, principia a contar a história partindo das imagens vistas por si e das recordações inerentes a essas imagens, que correspondem ao período da sua infância em que não estava cego.
Ao cegar, ele começa a contar a partir do seu universo (casa na 5ª Avenida) para o exterior.
Homer não conta o que vê, obviamente. Doctorow transforma uma limitação narrativa numa das características mais bem conseguidas e importantes do romance.
Homer comunica em função do efeito da representação mental dos objectos, das pessoas, das texturas, da temperatura...
“A ideia é eu escrever sobre o que não se pode ver. É difícil” Pág.154
Através do coleccionismo do seu irmão, ele vai sendo actualizado.
A mansão, outrora domicílio da família Collyer, cuja riqueza lhes permitia viver com luxo, vai sofrendo a erosão do tempo. A destruição do seu interior só é menos veloz do que o efeito provocado pela síndrome de que Langley padece.
Um dos aspectos mais interessantes do coleccionismo de Langley é a tentativa de “nivelar” o tempo. A sua quimera consiste em procurar uma estrutura, cujo nome seria “teoria das substituições”, que permita considerar os acontecimentos como repetíveis em qualquer espaço temporal. Tudo o que acontece já aconteceu e irá acontecer. De certa forma, a personagem é uma projecção (literária) do seu autor, quando, sentado defronte da máquina de escrever, tenta captar a essência dos acontecimentos.
Doctorow transporta o leitor para a Nova Iorque daquela época, mas não entra, no campo descritivo, em grandes pormenores. A dinâmica do romance é entregue ao desenvolvimento da relação social e interpessoal dos dois irmãos.
A complexidade relacional entre os dois intriga e perturba o leitor.
Entre a informação factual existem espaços por preencher. É aí que entra a ficção. Durante cerca de 200 páginas o leitor vive com os irmãos Collyer e testemunha os efeitos devastadores da maldição de Diógenes.


Homer & LangleyHomer & Langley by E.L. Doctorow

My rating: 4 of 5 stars


O meu texto sobre "Homer & Langley", de E. L. Doctorow, para o Diário Digital
Listem o livro para a Feira do Livro.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp...



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publicado por oplanetalivro às 07:18

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