23
Jan 13
http://p3.publico.pt/cultura/livros/6326/o-ano-em-que-pigafetta-completou-circum-navegacao

O meu texto sobre "O ANO EM QUE PIGAFETTA COMPLETOU A CIRCUM-NAVEGAÇÃO", de LUÍS CARDOSO, para o P3/PÚBLICO
 





publicado por oplanetalivro às 16:37

14
Jan 13

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=610194

O meu texto sobre "A Piada Infinita", de David Foster Wallace, para o Diário Digital. Espero que alimente discussões sobre o livro.


1
David Foster Wallace (n. 1962), professor, ensaísta, e um dos mais promissores escritores da sua geração, enforcou-se quando tinha 46 anos. Antes de sucumbir perante sucessivas espirais depressivas, o autor legou aos leitores a sua “magnus opus”:
-Uma vertiginosa montanha-russa intitulada “A Piada Infinita” (Infinite Jest).
“A Piada Infinita”, obra composta por 1198 páginas na edição da Quetzal, é uma exuberante viagem dentro da labiríntica e conturbada mente do seu autor.
Segundo o pai de Foster Wallace, em declarações ao NY Times de 14 de Setembro de 2008, o escritor tomava medicação para a depressão desde os 26 anos. Foi esta medicação que permitiu que ele pudesse trabalhar. No campo ficcional, o autor escreveu “The Broom of the system” (Romance, 1987), “Infinite Jest” (Romance, 1996), “The Pale King” (romance inacabado), “Girl with curious hair” (narrativas curtas, 1989), “Brief interviews with hideous men” (narrativas curtas, 1999) e “Oblivion: stories” (narrativas curtas, 2004).
No entanto, no último ano de vida, a medicação começou a produzir efeitos colaterais que obrigaram o médico a sugerir a interrupção do tratamento. Em consequência, a depressão voltou e outras alternativas, como a electroterapia, foram utilizadas. Nenhuma foi bem-sucedida.
Suicidou-se em 2008.
É importante ter em consideração a ligação entre os distúrbios de personalidade do escritor e a sua obra completa (ficcional e não-ficcional). Até que ponto a sua escrita seria tão incisiva, se não fossem as constantes depressões, o abuso de substâncias e os raros momentos de pacificação? Romantizar a loucura de Foster Wallace não parece ser a melhor forma de apreender a complexidade do seu pensamento. Aliás, seria até contraditório com o hiper-realismo/”histerical realism” presente em “A Piada Infinita”
O biografismo, apesar de poder ser importante, é menos relevante do que a credibilidade existente dentro de qualquer texto literário. Este não tem de ser um relato da realidade, mas tem de ser credível. O “hype” criado à volta da figura “David Foster Wallace” tem paralelo na juvenil admiração por Kurt Cobain ou Jim Morrison. O que é um elemento importante na temática do livro ganha tal relevo que transita para o assunto do livro. É necessário perceber que o biografismo é parte integrante desta obra, mas não é o assunto da mesma.
A leitura da produção literária, além deste livro, é importante para a compreensão do “magnus opus”. Os documentos paratextuais, compostos por ensaios tão importantes como “Consider the lobster (2004)”, “E Unibus Pluram: Television and U.S. Fiction (1993)”, “Federer as Religious experience (2006)”, “Tennis, trigonometry, Tornadoes: A Midwestern Boyhood (1991)”, permitem aprofundar o sentido de uma obra tão contraditória em si mesma como em comparação com as expectativas do leitor.
2
A acção de “A Piada Infinita” decorre num futuro próximo, quando os Estados Unidos da América, o México e o Canadá compõem a Organização das Nações da América do Norte (ONAN).
Movimentos independentistas e reaccionários procuram aceder ao conteúdo, por opostas razões, de um famoso filme que tem a capacidade de colocar os espectadores num tal estado de inacção e dependência que pode causar-lhes a morte. O filme foi criado por J.O. Incandenza, patriarca da família Incandenza, composta pela esposa Avril e os filhos Orin, Hal e Mário.
A família Incandenza fundou a “Ennfield Tennis Academy” que fica muito perto da “Ennet House Drug and Alcohol Recovery House”.
Entre consumo de substâncias proibidas, desintoxicações, ténis, cinema, alienação, espionagem, e um conjunto variado de outros assuntos “satélite”, Foster Wallace sugere ao leitor uma difícil, exigente, hilariante e, por vezes, fastidiosa viagem.
 “A Piada Infinita” contraria o desenvolvimento esperado da leitura devido à estrutura modular da narrativa. Esta obra é transversal a vários géneros narrativos. A sua plasticidade desafia a estrutura canónica deste género literário.
David Foster Wallace movimenta-se entre diversos planos de realidade, demarca os capítulos, reconstrói sintacticamente as frases, ao ponto de as tornar - propositadamente- em agramaticais, enriquece o texto com léxico que faz com que o leitor se confronte com um complexo desafio semântico, e recorre a diversos níveis de língua.
“Outros termos e palavras que Gately sabe que não conhece de lado nenhum começam a enfiar-se-lhe em catadupa na cabeça, com a mesma e tenebrosa força intrusiva, como, por exemplo, ACCIACATURA e ALAMBIQUE, LATRODECTUS MACTANS e PONTO DE DENSIDADE NEUTRA, CLARO-ESCURO e PROPRIOCEPÇÃO E TESTUDO e ANELADO e BRICOLAGE e CATALÉPICO e FALSIFICAÇÃO DO RECENSEAMENTO ELEITORAL e ESCOLOPOFILIA e LAERTES – e, assim de repente, Gately lembra-se dos próprios e já pensados SALIENTE, ESTRIGIL e LEXICAL – e LORDOSE e TRIBUTO e SINISTRAL e MENISCO e CRONAXIA e POOR YORICK e LUCULUS e MONTCLAIR COR DE CEREJA e depois DE SICA NEORREALISTA GRUA COM DOLLY e CIRCUM-AMBIENTEDRAMAENCONTRADOCASAMENTOLEVIRATO (…) ” Pág. 930
As mudanças de ritmo narrativo transportam o leitor desde o tédio até às situações mais hilariantes.
Será “A Piada Infinita” uma obra desequilibrada?
Provavelmente, Foster Wallace quis que o leitor sofresse a inconstância anímica que está tão presente no livro. É proposto ao leitor que viaje até ao fim do texto passando por ensaios, pequenas narrativas, “stream of consciousness”, longas descrições dos contextos e ambientes, e situações intensas e absurdas. Tudo, presumivelmente, ficcional. É uma “trip” através de vários géneros literários.
Um dos grandes méritos do autor é ter conseguido abranger a textualidade de uma forma ímpar. Ele analisa a sociedade que o rodeia (exterior), analisa-se a si (interior) e, principalmente, expõe ao leitor a dialéctica entre o indivíduo e a sociedade. Ao fazê-lo, consegue resgatar o papel de autor de uma textualidade global que, de acordo com o pós-estruturalismo/desconstrucionismo de Derrida, Barthes ou Foucault, implica o desaparecimento da voz única que se manifesta num autor. Dito de outra forma, existem vários centros temáticos dentro da narrativa, onde cada um compete entre si, dotando o texto, desta forma, de várias camadas interpretativas. David Foster Wallace articula, de uma forma que o faz sobressair entre pares, as várias possibilidades de interpretação.  Ele observa e é, por si, observado. É uma ideia que se encontra, também, no seu ensaio “E unibus pluram: television and U.S. Fiction” e, inclusive, num ensaio sobre o modernismo e pós-modernismos através de duas séries televisivas (“Havai: Força Especial” e “A Balada de Hill Street”)  inserido em “A Piada Infinita”. Segundo o escritor, qualquer ficcionista é um observador. O comportamento humano é “alimento” para todos os escritores. No entanto, um observador não gosta, normalmente, de ser observado. A televisão oferece aos escritores e/ou telespectadores esse tipo de espectáculo com uma só via: observar e não ser observado. David Foster Wallace faz o paralelismo entre pessoas solitárias e escritores. Ao declinar ser observado, mas fomentar a sua observação, um escritor limita a ligação emocional com outros seres humanos. Mantém-se fora de uma relação. A televisão optimiza esse processo. Ao haver um mecanismo entre observador e observado e, sobretudo, haver a noção de que já não se está perante a realidade, mas perante uma representação da realidade, a alienação atinge nova profundidade.
Ao coordenar estes dois eixos temáticos na narração, Foster Wallace consegue construir uma imagem psicológica/individual e sociológica/colectiva. O individuo é fruto da combinação entre a sua herança genética, a sua própria percepção da sociedade em que se insere, e as escolhas por si tomadas, que serão parte fundamental na formação da sua “psicologia de senso comum”
Sob diversas formas, a alienação social e individual é abordada através do entretenimento. Mas o autor vai mais longe. Ele observa o espaço intransponível entre os indivíduos. De entre as imensas personagens que habitam esta obra surge um sentimento de solidão partilhada. Estão sempre sós emocionalmente, apesar de haver ou não pessoas em redor de determinado indivíduo. Este é o grande drama de “A Piada Infinita”.
A sociedade é composta por indivíduos que, na essência, não partilham soluções. São pessoas sozinhas dentro de uma multidão.
“ (…) Como podemos ser amigos? Mesmo que todos vivamos e comamos e tomemos duche e joguemos juntos, como podemos deixar de ser cento e trinta e seis profundamente sós, embora estejamos aqui todos amontoados?
- Estás a falar de comunidade. Isto é uma arenga comunitarista.
-Para mim é a alienação.” Pág. 127/128
Quando o autor descreve situações de ansiedade extrema devido à privação de drogas, ou  casos de depressão major, a prosa atinge o leitor de forma violenta. No entanto, é nos diálogos e na hipotética interacção dos intervenientes que mais sobressai a impossibilidade de empatia e capacidade de entender o Outro.
Isto no plano individual. Quando é explicado o funcionamento de um jogo como Eschaton, percebemos a inconstância e precariedade das relações entre poderes políticos e económicos. Eschaton, palavra que significa Dia do Julgamento Final (Novo Testamento), é uma invenção que combina o individualismo do ténis e a conquista geográfica e de poder por parte de combatentes. Escathon é uma guerra mundial construída com uma imensa parafernália que o autor faz questão de mencionar exaustivamente.
“Durante o jogo as ogivas atómicas de cinco megatoneladas só podem ser lançadas com raquetas de ténis. Daí, a exigência de real destreza técnica para acertar no alvo que distingue o Eschaton de outros jogos de holocausto tipo «liga rotisserie» praticados com transferidores e PC em mesas de cozinha. O voo parabólico e transcontinental de um veículo estratégico de transporte de combustível líquido é bastante parecido ao de um balão com efeito.” Pág. 356
É um dos momentos em que os dois eixos temáticos se interseccionam: o que respeita ao indivíduo e o que respeita ao colectivo.
3
David Foster Wallace expõe-se sem reservas. E pede o mesmo ao leitor. “A Piada Infinita” é um grande desafio. É um jogo de ilusões, de máscaras e de espelhos. Ao terminar-se a leitura chega-se a uma conclusão: Ficou muito sentido por apreender. A releitura é imposta pela complexidade estrutural da obra assim como pela intensidade e profundidade do que é exposto. Os ensaios, que são inclusivamente nomeados no livro, enriquecem a activação do sentido. Em suma, o leitor não se iluda. São 1198 páginas que obrigam releitura. E não só. A própria tradução apresentou-se como um hercúleo desafio aos tradutores. Como transportar toda a complexidade sintáctica, lexical e semântica desde a língua de partida (inglês) para a língua de chegada (português)?
Devido ao trabalho elaborado pelo autor norte-americano na (re)criação lexical e na singularidade de algumas construções sintácticas, por exemplo, o leitor que queira aprofundar a leitura de “A Piada Infinita” deve ler a versão portuguesa, confrontá-la com a versão inglesa (não foi feito para este artigo), e enriquecer a leitura com o que é exposto na produção não-ficcional. Uma tarefa entregue aos devotos de David Foster Wallace.

Como canta Bono, dos U2, por quem o autor nutria admiração:
Hello, Hello// I'm at a place called vertigo” (Vertigo)

Mário Rufino


publicado por oplanetalivro às 11:19

01
Jan 13



“Fun Home - uma tragicomédia familiar”, de Alison Bechdel, Editora Contraponto, obriga, pela sua qualidade, a ser lido e relido.
“Fun (eral) home”, conjugação inesperada entre funeral, diversão (fun) e casa (home), tem sido reconhecido pela crítica a nível mundial. A obra de Bechdel venceu o “Eisner Award” e o “Lambda Book Award”. Foi considerado o livro do ano por “New York Times”, “Los Angeles Times”, “San Francisco Chronicle”, “Publishers Weekly”, “Salon.com”, “Amazon.com” e “London Times”.

A honestidade emocional com que Alison Bechdel escreve e desenha o seu passado transtorna-nos. A leitura é um acto de voyeurismo. Espreitamos pelas janelas desta singular construção para observar a intimidade das personagens.
A vida da sua família (pai, mãe e um irmão), que é proprietária de uma agência funerária que funciona na própria casa, é dominada pela ironia, tensão e por subentendidos.
“ [o pai] Era um alquimista das aparências, um especialista em imagem, um dédalo da decoração” Pág.12
Depois de ultrapassarmos os aspectos ilusórios que mascaram a realidade familiar e individual, confrontamo-nos com a incompatibilidade de perfis e expectativas entre os elementos da mesma família. Enquanto Alison adopta um perfil essencialmente masculino, o pai projecta nela o que ele gostaria de vestir, a forma como ele gostaria de se comportar, etc. As expectativas são constantemente frustradas. E será por isso que Alison especula que a morte do seu pai, duas semanas depois de a mãe ter pedido o divórcio, não terá sido acidental (atropelamento).
“A morte do meu pai teve algo de estranho, de Queer, em todos os sentidos dessa palavra tão polivalente” Pág. 63
O simbolismo existente é muito forte e conota, frequentemente, as personagens com elementos de índole sexual.
“Era a sua paixão, na verdadeira acepção da palavra. Libidinosa. Obsessiva. Martirizada”, diz autora enquanto o pai transporta um objecto fálico.
“Fun Home” é uma obra com várias camadas interpretativas. Somos seduzidos, devido ao jogo entre vários planos da narrativa, a reiniciar a leitura quando se chega ao fim.
Alison Bechdel arriscou imenso na forma que escolheu para narrar a sua história. É bem-sucedida. Ela vê a realidade através da ficção. As obras que, num momento específico, ela lê são as suas coordenadas cronológicas e psicológicas. Um livro é, directamente e indirectamente, a ferramenta primordial de análise. A intertextualidade com outros autores é ostensiva e riquíssima: Proust, Fitzgerald, Henry James, Joyce, Camus

“Fun Home” é um exercício de catarse. Bechdel é motivada pela dúvida sobre a morte do seu pai a procurar respostas que a levem a alguma conclusão. Não consegue. Quando tenta analisar as suas recordações percebe que sempre esteve num mundo de ilusões. Os pais tentaram sustentar um mundo que não existia e onde nunca poderiam ser felizes. São mais reais, como a própria autora afirma, quando vistos através da ficção.
O leitor tem à sua disposição uma obra sublime  que não o deixará indiferente.

Mário Rufino



publicado por oplanetalivro às 20:08

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