27
Nov 12
http://p3.publico.pt/cultura/livros/5548/manuel-alberto-vieira-cada-palavra-existe-para-fazer-diferenca

A minha estreia em P3/jornal Público.




texto é sobre um novo escritor chamado Manuel Alberto Vieira. O livro é "Caderno de Mentiras". É uma das maiores surpresas que tive este ano.

Leiam o livro. Partilhem o texto.


Caderno de MentirasCaderno de Mentiras by Manuel Alberto Vieira
My rating: 4 of 5 stars



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publicado por oplanetalivro às 21:05

26
Nov 12

«Mazagran - Recordações & outras fantasias» (Quetzal)





J. Rentes de Carvalho não perde uma oportunidade para contar uma história.
 “Mazagran - Recordações & outras fantasias”, livro composto por crónicas, muitas delas em formato epistolar, não desilude quem já conhece o autor e tem a capacidade de surpreender quem ainda não o conhece.

Mazagran, bebida típica do Maghreb e composta por café forte, limão, açúcar e água gasosa, é um estímulo para a conversa entre convivas. É um pretexto para a partilha de histórias. A bebida também leva, segundo o escritor, um pouco de conhaque quando o profeta está distraído. Este tipo de irreverência está presente nos 104 textos que constituem este livro.
“ Além disso, devo dizer que na tua idade - vais fazer dezasseis? - Não há nada de alarmante em querer liquidar os pais. Eu próprio comecei a «matá-los» quando tinha uns doze anos e, curiosamente, também por causa da Páscoa” Pág. 21
Nesta obra é mantido o registo sarcástico, rabugento e sapiente que pode ser encontrado em dois livros do mesmo género literário: “Com os Holandeses” e “Tempo Contado” (Grande Prémio de Literatura Biográfica APE/CM Castelo Branco 2010/2011).
O trabalho sobre a linguagem é uma característica que, pela constância tanto em ficção como em não-ficção, dota a obra de Rentes de Carvalho de homogeneidade e notável qualidade.
 Em “Mazagran…”, Rentes de Carvalho  consegue envolver o leitor da mesma forma que conseguiu em “Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia” (narrativas curtas), “O Rebate” (romance), ou em “Com os Holandeses” (Crónicas).
 As suas memórias são salvas do esquecimento e formalizadas na prosa que, por ter um ritmo próprio, se identifica como criação de Rentes de Carvalho. O contexto social mantém-se, principalmente, na Holanda, Portugal e Brasil.
Na crónica “O prazer da viagem”, o autor relaciona o tamanho do mundo com a velocidade com que um indivíduo o consegue percorrer. As viagens longas são cada vez menos viáveis na contemporaneidade. Essa redução de velocidade influencia a noção de distância, reduz a imprevisibilidade e tem, consequentemente, importância na experiência individual e respectiva rememoração.
A viagem, como suspensão de uma realidade para a vivência de uma outra, torna-se mais curta e mais formatada.
Em “Diários” o escritor confronta-se com o seu passado, quando analisa a evolução da sua consciência ao longo do tempo. O medo do ridículo e a difícil dialéctica entre o “eu” presente e os “eus” que foram desaparecendo, em “mortes” sucessivas, estão espelhados nas páginas desta crónica.
“O diário que recebia os meus segredos, o confidente silencioso e discreto, era afinal o mais cruel dos espelhos: apenas capaz de reflectir a imagem incorrigível do passado (...) O que verdadeiramente me dita urgência, porém, é o temor de que um acaso maléfico - a morte súbita, a paralisia - coloque o meu «espelho» em mãos alheias. Que outros vejam reflectidas nele as mil imagens que quero esquecer e que, antes de poder fazer em paz o enterro do meu velho «eu», alguém o transforme em divertimento de praça pública” Pág. 173
O autor não está camuflado pela ficção.
O texto “Para Romário de Souza Faria”, o futebolista, é demonstrativo da mordacidade que a escrita de Rentes de Carvalho pode alcançar.
“À semelhança daquele escritor que, quando lhe perguntaram o que é que ele pensava da literatura, respondeu: « Eu sou a literatura!», você com certeza sente que é o futebol” Pág.284

Todos os textos de “Mazagran - recordações & outras fantasias”, apesar de algumas inevitáveis oscilações, são dignos da qualidade com que o escritor já habituou os leitores em Portugal.
Outrora conhecido essencialmente na Holanda, Rentes de Carvalho já conquistou o “espaço” na Literatura Portuguesa compatível com a excelência literária dos seus textos.


Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com


Mazagran - Recordações & outras fantasiasMazagran - Recordações & outras fantasias by José Rentes de Carvalho
My rating: 3 of 5 stars

O meu texto, para o diário Digital sobre "Mazagran - Recordações e outras fantasias"

http://oplanetalivro.blogspot.pt/2012...


3 estrelas em comparação com livros mais importantes na bibliografia do autor. Dentro do género - crónicas- vale mais. É um grande escritor

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publicado por oplanetalivro às 11:40

17
Nov 12

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=601306

«O Rei do Monte Brasil», nono romance de Ana Cristina Silva, é o sucessor de «Cartas Vermelhas», obra nomeada para o «Prémio Fernando Namora». A edição é da Oficina do Livro.


A linguagem tem sido explorada pela autora, como matéria-prima, em diversas áreas. A sua produção científica, contextualizada pela profissão de docente universitária no ISPA na área de aquisições precoces da linguagem escrita, ortografia e produção textual, tem evoluído a par com a escrita de ficção.
Ao nono romance, a escritora apresenta visível coerência temática. Dos oito romances anteriores, destaque-se «A Mulher Transparente» pela diferente contextualização. Todos os outros romances, incluindo «O Rei do Monte Brasil», abordam diferentes épocas e figuras da História de Portugal. A guerra colonial está presente em «Meia-Luz», Florbela Espanca é a figura central de «Bela» e Mariana Alcoforado de «Mariana, todas as cartas». A ficção aborda o século XVI nos romances «As Fogueiras da Inquisição» e «A Dama Negra da Ilha dos Escravos». Al-Mu`tamid é o eixo de «Crónica do Rei-poeta Al-Mu`tamid» e, em «Cartas Vermelhas», a abordagem volta ser mais política, pois a história coloca-nos na sociedade portuguesa sob o antigo regime.

Neste seu último romance, o leitor tem a possibilidade de participar no histórico confronto entre Portugal, potência colonizadora, e Moçambique, antiga Colónia.
«O Rei do Monte Brasil» é um livro sobre confrontos. Mouzinho de Albuquerque e Gungunhana representam, além das respectivas figuras históricas, dois lados opostos que se combatem. Eles são as civilizações que não se entendem, as crenças que não se toleram, os egos que não se suportam.
No entanto, a incompatibilidade de egos deve-se, essencialmente, à partilha de características que os levará a perder o que os sustenta: poder.
O ego, tanto de Mouzinho como de Gungunhana, é a principal razão da queda de ambos. Mouzinho enfrenta as chefias e paga um preço muito alto; Gungunhana refugia-se no álcool, devido à perda das pessoas que mais amava, e toma decisões baseadas na soberba. O declínio é mútuo e paralelo.

Os rostos dos mortos, o sangue e a violência nunca deixaram de estar presentes na vida e na memória do militar português e do chefe dos Vátuas.

São dois homens construídos de passado que não conseguem aceitar a condição que têm na actualidade em que vivem e contam as suas histórias. Com as suas palavras, pensamentos e actos vêm as sombras de acções praticadas num pretérito que não se conjuga com o momento presente. Eles não aceitam a história.

No fim, de uma forma ou de outra, a decadência, a efemeridade do poder e a morte acabam por uni-los.

A autora optou por uma narração polifónica, entregando a dinâmica da narrativa a um jogo de poder entre as vozes, intercaladas, dos dois personagens principais. A pluralidade de vozes permite a avaliação de determinado acontecimento por vários prismas. Além de ter optado por um «eu» narrativo, permitindo aprofundar as características psicológicas de cada um, a autora escolheu uma terceira pessoa indefinida para mostrar ao leitor a ascensão e queda do chefe dos Vátuas.
Ana Cristina Silva escreveu uma obra onde procura aprofundar as características psicológicas das personagens e desenvolver, em simultâneo, a narrativa de forma a abranger um período importante da História de Portugal e de Gungunhana, em particular.
«O Rei do Monte Brasil» é uma peça importante na já significativa obra de Ana Cristina Silva.
publicado por oplanetalivro às 21:29

15
Nov 12
O meu texto sobre "As minhas lembranças observam-me", de Tomas Transtromer, para a Pnet Literatura.





Tomas Gösta Tranströmer, nascido em Estocolmo em 1931, é poeta e tradutor. A sua poesia está traduzida em mais de 60 línguas. É um dos mais importantes escritores escandinavos e europeus desde a 2ª Guerra Mundial.
Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 2011

Tomas
Tranströmer é, sobretudo, um homem formado pelas suas lembranças.


“As minhas lembranças observam-me” é um exercício de memória de um homem que viria a ser o escritor que é hoje.
O autor conta neste livro a importância de pequenos acontecimentos na construção da sua personalidade. Os caminhos que não foram percorridos são a sombra das suas escolhas.
As histórias que compõem esta obra estão divididas por consideráveis elipses. Apesar da linearidade cronológica, Tomas Tranströmer aplicou mais atenção à importância dos acontecimentos do que a preencher e a ordenar a cronologia com diversos factos com pouco efeito na sua formação como indivíduo. É a importância dos acontecimentos que marca o tempo da narrativa. Mas a relação do autor com as suas lembranças não é de todo pacífica. Ele desconfia e avisa que o próprio tempo conseguiu alterar as suas memórias.
“As primeiras vivências são, na sua maior parte, inacessíveis. Histórias recontadas, recordações de recordações, reconstituições que assentam na erupção súbita de um estado de espírito.” Pág. 11
Ele tenta, tanto quanto possível, limitar-se às lembranças de que não duvida da autenticidade.
Os rostos das pessoas que não vê há muitos anos mantêm-se inalteráveis apesar do tempo passado. Os factos alteram-se, de forma radical ou não, mas as pessoas, tal qual ele as recorda, mantêm-se sempre iguais apesar do inevitável envelhecimento.
“Já os meus professores, «os velhos», como nós lhes chamávamos, mantêm-se velhos na minha memória, embora os mais velhos tivessem então a mesma idade que eu tenho agora, no momento em que escrevo estas memórias. Sentimo-nos sempre mais novos do que somos. Trago em mim os meus rostos anteriores, como a árvore tem os anéis da sua idade. O que eu sou é a soma de todos esses rostos. O espelho só vê o meu rosto mais recente, mas eu conheço todos os anteriores” Pág. 55
O autor destaca momentos marcantes que vão desde o divórcio dos pais, numa época em que era raro acontecer um divórcio, passando pela sua colecção de insectos (é o mais famoso coleccionador sueco de insectos. Tem uma exposição no “Swedish Museum of Natural History”) até a um erro ortográfico. Há, contudo, um momento ainda mais importante na sua vida: o aparecimento da angústia que o irá acompanhar ao longo da vida.
 “Talvez a minha experiência mais importante. Contudo, um dia chegou ao fim. Pensei que se tratava do Inferno, mas era o Purgatório” Pág.69
As memórias presentes em “As minhas lembranças observam-me” terminam logo após a adolescência. A redacção do texto acaba quando Tranströmer, já com cerca de sessenta anos, sofre um AVC.
“As minhas lembranças observam-me” são complementadas por os primeiros poemas de Tranströmer e por um posfácio de Pedro Mexia.
Uma análise mais aprofundada sobre o livro depende muito do ângulo de observação. Pode-se considerar que este livro explica, de alguma forma, características inerentes à poesia de Tranströmer (postura típica do “New Historicism”), ou pode ser visto pelo que é isoladamente e sem ligações à obra global do Prémio Nobel (posição típica do New Criticism). A partir do momento em que o leitor deixa para plano secundário a relevância deste livro na obra de Tranströmer, consegue usufruir, sem obstáculos, das características específicas da edição, pela Porto Editora, de “As minhas lembranças observam-me”: O texto, as ilustrações e a própria encadernação.

Tomas Tranströmer é reconhecido pela Academia Sueca devido, essencialmente, à sua poesia, mas fica a ideia de que o autor conseguiria, também, o nível de excelência na prosa.


Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 07:12

10
Nov 12

A Literatura não tem qualquer utilidade.
Porque insistem em ler?

1-A leitura é quase uma experiência religiosa. Abrimos o livro e ficamos quase imóveis, entregues ao silêncio, perscrutando a nossa consciência. Há uma voz que nos aborda, uma entidade que nos conta algo que aconteceu. E o leitor entrega-se, com maior ou menor interesse, a essa entidade. Tem um desejo, somente: Anseia que o narrador o faça acreditar no que está a acontecer.

2-No que é que a Literatura é útil? Em nada. Procurar uma função na Literatura é um erro do leitor e não da Literatura, em si. O texto literário não quer mais do que aquilo que tem, não reclama uma função, nem tem intenção de melhorar seja quem for. Ler não serve para se ser uma pessoa melhor, uma pessoa bondosa. Stalin e Hitler eram leitores vorazes. Tinham bibliotecas recheadas de livros. Einstein criou os fundamentos que levaram à Bomba Atómica. Eles leram muito.

3-Nós sabemos de cor muitas coisas. Sabemos de cor muitos episódios da nossa História. Guardamos na memória os momentos de coragem do nosso povo. Está nos livros, fica nos livros, não aprendemos nada com a informação que retemos. Nada.

4- “Cor”- significa, em Latim, Coração. Por extensão de sentido, saber-de-cor, é algo que sabemos e sentimos, algo que vem do coração e sai sem esforço. Em inglês, por exemplo, diz-se “To know by heart” – saber pelo coração.
Coragem- do Latim “Coraticum”, derivado de “Cor”…que significa coração. Poderá ter vindo, também, da palavra francesa “Coeur”.É no coração que, em muitas culturas, habitam a inteligência, a sabedoria, o ânimo, a rectidão. “Ele/Ela tem bom coração”, dizemos muitas vezes. Um dos sinónimos é constância.
  
5- Novamente: Afinal…porque é que lemos? Não sei. Mas posso, se me permitem, aconselhar a procura de outras características na Literatura. Se há algo que a Literatura pode fazer por nós, então é ensinar-nos a fazer perguntas. Quando começarmos, como povo, a fazer perguntas diferentes podemos aceder a respostas diferentes. Procurai perguntas. Provavelmente, começarão a interrogar-se sobre a qualidade de quem nos pede para ter coragem perante tanto sacrifício, de quem nos fala ao coração, quando, afinal, são o antagonismo das características mencionadas. Onde estão a rectidão e a constância de quem nos pede coragem?

MR


publicado por oplanetalivro às 10:38




O Sino da Islândia


Halldór Kiljan Laxness, autor islandês premiado com o Nobel da Literatura em 1955, relata-nos em “O Sino da Islândia” (Íslandsklukkan), editado pela Cavalo de Ferro, a odisseia de Jón Hreggviðsson.

Na Islândia do século XVII, Jón Hreggviðsson é acusado de assassinar o carrasco, ao serviço do Rei da Dinamarca, que tinha a missão de levar um sino, devido ao estanho com que fora construído, para Copenhaga. Esse velho sino é o símbolo da independência da Islândia, país pobre, oprimido, e sob o jugo da coroa dinamarquesa.
“Embora um islandês possa pensar que possuir uma quinta reles seja uma façanha, as propriedades pouco valem no estrangeiro, minha querida filha - disse o juiz. - A pedra preciosa no anel de um conde rico em Copenhaga vale mais do que condado inteiro na Islândia (...) Não somos [islandeses] apenas oprimidos, mas também um povo em risco de extinção” Pág. 76
Os recursos da Islândia são geridos pela Dinamarca, ficando praticamente nada para os habitantes. Forçados a roubar para viver, os islandeses são frequentemente enforcados ou flagelados devido a crime.
Segundo os dinamarqueses, os islandeses não são pessoas; são seres sub-humanos dentro de um território, não considerado como um país, chamado Islândia.
O percurso de Jón Hreggviðsson é marcado pela sua insubmissão às mãos do homem e à austeridade da terra. A sua viagem decorre ao longo de um período extenso e por entre paisagens e culturas de diferentes países. É um homem entregue à sua caprichosa sorte.O seu destino encontra-se subordinado a forças que não domina.  Ele sofre, tal como Ulisses em “Odisseia”, desafiantes aventuras. O seu ânimo é quebrado. O seu corpo sofre castigos e privações. Mas Jón não desiste. 16 anos depois da sua fuga, ele encontra-se com a mulher que o salvou da decapitação pelo crime, pretensamente, por si cometido: Snaefriour Eydalín. E tem um pedido:
“Vim pedir-lhe para lhe dizer [à filha de 15 anos]  que Jón Hreggviðsson foi outrora novo e que teve cabelo preto, e que não sabia o que era o medo; mas que esse tempo passou.” Pág.212
Memória é palavra chave na literatura islandesa e, em particular, na obra de Laxness. A transmissão da história pela oralidade antecede o processo de diferimento da mensagem através da escrita. Além disso, em sociedades - como a islandesa do Século XVII- onde o analfabetismo é predominante, a transmissão de conhecimento através do relato é essencial para a transmissão cultural e para a formação de uma identidade colectiva. É o que acontece com a constante presença de “Canção de Pontus” cantada por Hreggviðsson e as referências às sagas. No entanto, a batalha pela preservação da identidade é transversal a vários estratos sociais e a diferentes níveis de educação. E é neste contexto que surge Arnas Arnaeus.
Arnas Arnaeus tenta preservar, a custo da sua fortuna e do seu próprio bem estar, a cultura islandesa registada em manuscritos que eram utilizados, muitas vezes, para remendar roupas e sapatos. É uma luta contra o tempo e contra a pobreza, tanto material como espiritual.
“Arnas deu tudo o que tinha para reunir livros antigos, para que, mesmo que morramos, o nome da Islândia possa ser salvo” Pág. 76
A sobrevivência física versus a preservação da memória colectiva. O sino da Islândia simboliza a manutenção da história e da cultura islandesa perante a imposição de costumes dinamarqueses e a condenação à pobreza através do esbulho da riqueza da Islândia.

“O Sino da Islândia” está para a literatura islandesa como a “Odisseia” está para a Literatura Mundial.
Jón Hreggviðsson, tal como Ulisses, sofre nas mãos do homem, sofre os caprichos da natureza e das divindades, e demonstra o que é intrínseco a cada ser humano: incoerência.
A hipotética incompatibilidade de sentimentos é acentuada, principalmente, através das atitudes da personagem principal. Jón é infantil, mas também demonstra maturidade para ultrapassar as adversidades; é cruel, mas também cede perante necessidades de outrem; é arrogante ao desafiar forças superiores a ele, mas frequentemente chora e humilha-se para obter o perdão.
É óbvio que há diferenças essenciais no texto de Laxness em relação ao de Homero. No entanto, o relato é, igualmente, a técnica escolhida por Laxness para narrar esta história. O autor optou por uma estrutura clássica de narração, onde o narrador mantém uma distância propícia à análise. Essa distância é contrariada, somente, por pontuais adjectivações que procuram demonstrar a sua incredulidade com a má sorte  do personagem principal.
Dividido em 3 fases distintas, é nos últimos capítulos de cada fase que o romance se consolida. Estes capítulos são fulcrais para a compreensão da história, pois iluminam o ciclo composto por todos os capítulos anteriores. O autor demonstra a sua mestria na construção deste texto literário quando dá condições a que determinada personagem resuma, de forma clara, o que se passou com ela até àquele momento.
A partir do fim da 1ª e 2ª etapas, Laxness tem condições para desenvolver o romance noutras direcções.
A irascibilidade de Jón é a irascibilidade de Ulisses e há diversos episódios que são ecos da obra de Homero. Um episódio sobejamente conhecido é o de Ulisses, vestido como um mendigo, de roupas rasgadas, ser somente reconhecido pelo seu velho cão. Esta acção, com algumas alterações, também se encontra em “O Sino da Islândia”:
“Quando a mulher se aproximou, o cão parou de uivar e abriu várias vezes a boca com um olhar de desespero que só um cão consegue fazer, e depois levantou-se e foi até junto dela. Tinha a barriga colada aos ossos com a fome. Ao aproximar-se, reconheceu-a, apesar das suas roupas, e tentou mostrar-lhe afecto: ela viu que era o cão de Braeoratunga.” Pág. 319

“O Sino da Islândia” é, desta forma, um diálogo com obras canónicas.
Laxness conjuga personagens que poderiam ter sido pintadas por Pieter Bruegel com a atmosfera criada pelas pinturas de William Turner.
A Editora Cavalo de Ferro edita, após “Gente Independente” e “Os Peixes Também Sabem Cantar”, o livro que pode ser considerado a obra-prima de Halldór Laxness. A edição de “O Sino da Islândia”, traduzido meticulosamente por João Reis, é um relevante acontecimento editorial pela sua evidente qualidade literária.

Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com




Halldór LaxnessHalldór Laxness by Halldór Kiljan Laxness
My rating: 5 of 5 stars

Obra-prima

Texto para o Diário Digital:
http://oplanetalivro.blogspot.pt/2012...

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publicado por oplanetalivro às 10:12

09
Nov 12

Ilija Trojanow apresenta “O Colecionador de Mundos”, um livro de fascínios



http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=600115


Ilija Trojanow, autor contemplado com o Prémio da Feira do Livro de Leipzig (Narrativa) em 2006 e com o prémio literário alemão Maizer Stadtschreiber, entre outros, esteve no Goethe-Institut, em Lisboa, com o objectivo de divulgar o seu livro “O Colecionador de Mundos”, editado por Arkheion Editora.
“O Colecionador de Mundos” é um romance sobre a vida de Sir Richard Francis Burton (1821-1890). Este oficial do Exército Britânico foi viajante, explorador e tradutor de livros canónicos como “As Mil e Uma Noites” e “Kama Sutra”. A sua inquietude e curiosidade levaram-no a viajar constantemente. A sua produção escrita demonstra um acentuado interesse pelo sexo e sexualidade, entre outros assuntos. Muitos dos seus trabalhos foram destruídos pela sua esposa, Isabel Burton (1831-1896).
 Sir Richard Francis Burton faleceu no ano de 1890, em Trieste.

Pedro Rosa Mendes, Prémio PEN 2000 e 2011, apresentou o livro e o respectivo autor.
Segundo o escritor português, o leitor está perante um livro de fascínios que consegue unir a fruição do texto à densidade literária. “Colecionador de Mundos” não se reduz a uma viagem física; é também uma viagem espiritual que permite a análise da construção da identidade. Escritor e personagem unem-se pela inquietação que a pergunta impõe: “Quem sou eu?”
Conhecer o “Outro” aproxima quem se interroga da resposta que procura.
A perspectiva de Trojanow sobre Sir Richard Francis Burton é indissociável do seu próprio trajecto pessoal. O autor-viajante nascido em Sófia é um colecionador de perspectivas. Ao ter sido influenciado por diversas culturas (viveu na Bulgária, Itália, França, Jugoslávia e estudou/viveu no Quénia e Alemanha), Trojanow teve a oportunidade de pluralizar as perspectivas que formam a sua identidade social. O sentimento individual de identidade deste autor foi construído dentro de várias realidades sociais. As narrativas que ele produziu sobre a relação entre si e os outros abrangem diferentes sociedades e, como tal, diversas tradições, percepções, crenças e juízos.
Neste livro,Trojanow segue os passos de Burton. Ao fazê-lo, encontra a violência intrínseca à exclusividade, mas descobre também a pacificação que o homem oferece ao homem no acto de aceitação, inclusão e igualdade.
Edward Said, em “Cultura e Imperialismo”, afirma que «Não há nada de misterioso ou natural na autoridade. Forma-se, irradia-se e dissemina-se; é instrumental, é persuasiva; tem estatuto, estabelece cânones de gosto e valor; é virtualmente indiscernível de certas ideias que dignifica como sendo verdadeiras, de tradições, percepções e juízes que efectua, transmite e reproduz.»
Sir Richard Francis Burton teve a capacidade de desconstruir o discurso de superioridade cultural por parte das potências colonizadoras. Foi, principalmente, esta desmistificação por parte do explorador britânico que motivou Trojanow a escrever este livro.

“Colecionador de Mundos” apresenta-se como um exercício de releitura de um passado, com toda a sua riqueza imagética, dominado pelas ideologias das potências colonizadoras.
Ilija Trojanow reinterpreta o passado colonial ao reescrever, ficcionalmente, um importante período da vida de Sir Richard Francis Burton.

Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com

publicado por oplanetalivro às 09:32

06
Nov 12


As minhas críticas no Diário Digital

http://diariodigital.sapo.pt/pesquisa.asp?searchstring=m%C3%A1rio+rufino


publicado por oplanetalivro às 09:15

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