27
Ago 12

Os Livros que Devoraram o meu Pai
Prémio Literário Maria Rosa Colaço 2009
Afonso Cruz



O livro de Afonso Cruz está para um leitor como uma loja de doces está para uma criança.
“Os Livros que devoraram o meu pai” é, sobretudo, um livro sobre livros.
Afonso Cruz abre portas para outras obras, fala de quem lê, fala de quem escreve, sempre com paixão e simplicidade.

Tudo começa quando Elias Bonfim, personagem principal, decide sair do mundo real, “desprovido de literatura”, e, no sótão, senta-se na antiga poltrona do seu pai, Vivaldo Bonfim, para ler as obras que ele lhe deixou.
Elias assume a herança/biblioteca que lhe foi entregue e entra no mundo onde a geografia e o tempo são delimitados pelo acordo entre escritor e leitor.
“O nome da cidade era Vladivostok. Consultei um atlas para saber, mais ou menos, onde ficava esse lugar. Não era nada perto de casa.
Tomei uma decisão para o dia seguinte: atravessar a Sibéria e chegar a Vladivostok, mesmo que isso custasse chegar atrasado para jantar” Pág. 81

 Podemos, desta forma, observar que a herança é muito mais do que o legado genético.
“porque nós somos feitos de histórias, não é de a-dê-énes e códigos genéticos, nem de carne e músculos e pele e cérebros. É de histórias” Pág. 27
Elias Bonfim (EB) (repare-se no nome de família) dedica-se a viajar, procurar, descobrir, compreender… dentro de uma biblioteca.
Os livros encostados uns aos outros, numa prateleira, são universos paralelos.” Pág. 96
Visitamos vários autores de épocas diferentes, conhecemos ou revisitamos personagens de universos diferentes, tudo isto conduzido por uma história policial e montada de forma simples.
A estrutura narrativa é linear e tanto o aspecto sintáctico como semântico são dotados de autenticidade, sem construções frásicas demasiado complexas e léxico menos acessível. A narração mantém-se no essencial. O narrador não entra em descrições paralelas que afastam o leitor do que é fundamental na história. Estas características dotam a obra de capacidade para abranger diferentes faixas etárias.
Um dos aspectos mais interessantes, e devidamente sustentado pela simplicidade narrativa, é a diluição da fronteira entre obras literárias. Devido a isto, o autor oferece-nos a possibilidade de perceber que tudo é intertextualidade e que, afinal, quase tudo depende da interpretação por parte de uma identidade: o Leitor.
A fronteira entre a ficção e a realidade dilui-se no mutável espaço da interpretação.
O leitor (EB) afasta-se da passividade, liberta-se do voyeurismo inerente a qualquer acto de leitura que não consegue, por natureza, eliminar a distância inerente à visão de uma 3ª pessoa fora do texto, e envolve-se activamente na acção. Ao sentir que o seu neto já estava maturo, a avó entrega-lhe as chaves da porta do sótão que dá acesso a vários universos.
Elias Bonfim transforma-se em parte integrante e interfere no desenvolvimento da acção.
Até certa medida, é o que acontece quando “entramos” numa história.

Afonso Cruz transformou o leitor numa personagem que, de forma coerente e verosímil, dialoga com outras personagens de outros livros de séculos diferentes. Tudo isto num único espaço e num único tempo criados em “Os Livros que Devoraram o meu Pai”.
Esta obra vale por si própria, mas é, também, uma excelente apresentação do tanto que existe por descobrir nesses universos paralelos que são os livros.






Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
publicado por oplanetalivro às 09:35

22
Ago 12


“A Mulher-Casa” de Tânia Ganho


“A Mulher-Casa” é um cerco à individualidade.
Tânia Ganho construiu uma estrutura concêntrica que aprisiona, lentamente, Mara, Thomas e o pequeno Raphael, enquanto indivíduos, e os três enquanto unidade familiar.

Estruturalmente, podemos dividir o romance em duas partes: a primeira, onde Mara vê o seu casamento sucumbir; a segunda, onde liberta toda a sua sensualidade e sexualidade. A autora imprime diferentes ritmos a cada parte: mais lento na primeira, em que expõe a deterioração do casamento, e um ritmo mais rápido, frenético por vezes, na segunda, onde assistimos à concretização dos anseios sexuais de Mara.
Na primeira parte, a ruptura com a normalidade começa com uma viagem, uma deslocação física (Aix-en-Provence/Paris), para, posteriormente, haver uma outra ruptura, uma mudança agonizante no campo emocional.
Paris, símbolo de glamour, é uma cidade agressiva e pouco hospitaleira. A perspectiva real de grande envolvência cultural é contaminada pela indiferença e crueldade inerentes a um grande centro urbano. A alegria de Paris é uma projecção (inalcançável) como as luzes da Torre Eiffel reflectidas no tecto do quarto. A perspectiva histórica sobre a cidade onde vivem é dada através da observação de monumentos e pela comparação entre textos de Thomas com outros ghostwriters.
O leitor é confrontado e inquietado com a falência da estrutura familiar quando as expectativas de cada elemento entram em conflito. Enquanto o marido é despersonalizado pela influência do seu chefe, ela é limitada ao papel de esposa, doméstica e mãe. A Mulher, sensual e dotada de um forte pendor sexual, é secundarizada. A sua perspectiva sobre a maternidade é fortemente influenciada pela agressividade imposta por noites mal dormidas, pela ruptura com rotinas anteriormente consolidadas e pela (frustrada) realização pessoal noutras áreas. A constante necessidade do filho, as necessidades e desencanto de Mara, e a dedicação profissional em detrimento da familiar do marido destroem os laços afectivos entre o casal.
“Tem a sensação de que está a prestar-se a um papel humilhante, sob o olhar sádico de Thomas e Raphael, dois poços sem fundo de exigência – também eles querem mais, sempre mais, e é ela que tem de os saciar”Pág.58
Eles evoluem em sentidos opostos. A casa passa a ser um local onde os caminhos se interseccionam, um espaço onde a concórdia vai desaparecendo.
Sobre os escombros do casamento surge Matthéo. É neste ponto que a autora muda o ritmo da narração e é neste ponto que consideramos estar perante uma fase distinta do romance.
A necessidade frustrada de atenção somada à avassaladora atracção física pelo amante faz dela uma esposa infiel. Ao responder aos seus próprios anseios, ela põe em causa o respeito que tem por si própria e renega o respeito que tem pelo marido.
A conjugação entre os papéis de mãe, esposa e amante promove uma transformação radical. Ela hesita entre o divórcio e o seu próprio afastamento do amante. O medo de perder o filho é real e se há algo mais forte do que a atracção que sente por Matthéo, é o amor filial. A sua vida está um caos e ela tenta dar-lhe alguma ordem emocional. A colecção de botões de madrepérola, um por cada momento feliz, indica a quantidade de momentos felizes; a manufactura de chapéus é uma manifestação do seu estado de espírito.
“Com uma linha rosa-escura, bordou na fita a frase I am a bitch and a fake, incorporando a implacável descrição de Sarah, a mulher perdida de O Fim da Aventura [Graham Greene]. É assim que se vê: uma cabra e uma falsa, expressão hipnótica que, de algum modo, a pune e redime.” Pág. 312

Mara será, inevitavelmente, confrontada com a obrigação de decidir.

Tânia Ganho propõe-nos um exercício de interpretação literária sobre o problema da libertação do individuo. Nesta sua obra, a atenção recai sobre o papel da mulher na sociedade. A Moral, o Hedonismo, a Fidelidade são temas sobre os quais a autora propõe a reflexão. A forma escolhida para narrar esta história não é inocente. Tânia Ganho optou por se aproximar muito da personagem (discurso indirecto livre) até o leitor não saber de quem é, afinal, determinado pensamento.

O leitor é seduzido a entrar na vida desta família e a analisar os acontecimentos através da perspectiva da personagem principal…ou da autora.
Todos nos identificamos, em algum aspecto, com estas personagens, mesmo que sigamos caminhos diferentes dos que elas seguiram. Daí a inquietação que “A Mulher-Casa” provoca.


Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com

Para Adquirir:


A mulher-casa de Tânia Ganho - www.wook.pt
publicado por oplanetalivro às 20:44

21
Ago 12
O uso pragmático da Língua.
Texto de Miguel Esteves Cardoso
Leitura de Miguel Guilherme






publicado por oplanetalivro às 09:28

13
Ago 12
Outra (2ª segunda) opinião sobre "O fim da Inocência e outros contos", ebook a ser editado no fim do mês

http://fragmagens.wordpress.com/2012/08/13/o-fim-da-inocencia-e-outros-contos/


sai no fim de Agosto em www.tertuliadeebooks.com
publicado por oplanetalivro às 14:12

 "A Ilha de Caribou" de David Vann (Diário Digital)
Bem-vindos ao Inferno...


http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=587315



“A Ilha de Caribou”, editado pela Ahab Edições, é a felicidade cercada e dominada pelo desespero.
O dilema da morte, principalmente do suicídio, a degradação emocional e a influência depressiva do Alasca continuam muito presentes na motivação criativa de David Vann, autor do aclamado “ Ilha de Sukkwan”.
Em “A Ilha de Caribou”, o autor debate-se com esses temas tanto através da análise individual como matrimonial entre Gary e Irene, pais de Rhoda e Mark.
Gary e Irene, presos num casamento de décadas em que ambos não são felizes, vão construir uma cabana numa ilha.
A viagem de barco através de um lago sob crescente intempérie invernal e a construção da cabana num local isolado são elementos metafóricos da relação entre os dois. A força motriz da mudança é a vontade Gary e esta não coincide com o desejo de sua mulher.
 A deslocação para uma casa nova é a derradeira tentativa, inglória, de edificação de uma nova vida. Ela sabe isso. Mas a fantasia (Alasca idealizado, cabana) não se conjuga com a realidade (Alasca real, casamento). O tempo passado não pode ser recuperado. O caminho até chegarem a esta conclusão é doloroso, descendente, e demonstrativo de como as relações podem ser destrutivas.
Num jogo de ganhos e perdas, de avanços e recuos, a esperança ausenta-se. Enquanto ele foge de si mesmo, da sua consciência, ela tem muito medo da solidão. E o Medo é a palavra-chave deste romance. Sentimo-lo da primeira à última página.
O medo está em Rhoda perante a condição da mãe, está em Irene perante a falência do casamento e está, como sempre esteve, em Gary pela possibilidade de não cumprir com o que ele, individualmente, idealizou para si.
Devido à estrutura narrativa fundamentada na alternância entre vários focos, o leitor tem a possibilidade de acompanhar outras personagens (Monique, Carl…), sendo Rhoda um elemento essencial na narrativa. Ao observarmos os seus medos, anseios e ilusões em relação a si própria e à relação com Jim, seu namorado, torna-se evidente o paralelismo com os seus pais. Ela encontra-se na encruzilhada onde a mãe esteve há muitos anos: o casamento.
“Era o princípio do fim para Rhoda, a sua vida oferecida e desperdiçada com um homem que não a amava. Era o que iria acontecer, uma repetição cruel da vida de Irene (…)” Pág. 253
As relações afectivas enfrentam a total degradação e o leitor é confrontado com a possível partilha de características emocionais que, pressionadas pela inospitalidade do local, levam a um comportamento similar.
As estranhas dores de dor de cabeça, que começaram no primeiro dia da construção da cabana, vão debilitando cada vez mais Irene e diminuindo a reduzida tolerância do marido. As dores controlam-na. E ela recorda-se, constantemente, do dia em que, ainda criança, entrou em casa e viu a sua mãe enforcada. A incredulidade de outrora perante tal acto esmorece, lentamente…
O Inverno chega, rigoroso, a cabana está quase terminada e o desenlace adivinha-se.
David Vann, apesar da complexidade estrutural, evita a redundância e potencia o drama através de uma eficaz economia interna. Desta forma, apresenta uma obra à qual o leitor não fica indiferente.

“A Ilha de Caribou” é um lugar habitado pelo medo, ilusão, desilusão e dor.

Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com










publicado por oplanetalivro às 13:12

11
Ago 12
O primeiro texto crítico sobre "O Fim da Inocência e outros contos" foi publicado.

http://viajarpelaleitura.blogspot.pt/2012/08/o-fim-da-inocencia-mario-rufino.html 


Esta é uma obra composta por cinco contos e em todos eles há algo em comum – o recordar a inocência de outrora e o olhar para um novo ser que nasce com as vivências, com a aquisição das experiências, com a maturidade…

sai no fim de Agosto em www.tertuliadeebooks.com
publicado por oplanetalivro às 17:20

04
Ago 12
Brevemente (fim de Agosto), vai sair o meu livro de contos em versão e-book.

Título: "O fim da inocência e outros contos"
Editora: Portugalnet | Tertúlia de eBooks.

Com maravilhosas fotografias de Marco Rufino.
Espero que gostem

http://www.tertuliadeebooks.com/
publicado por oplanetalivro às 23:40

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